quinta-feira, 31 de maio de 2012

Um só Deus, uma só vida


Gn 1-5
1No princípio, criou Deus os céus e a terra.
2A terra, porém, estava sem forma e vazia; havia trevas sobre a face do abismo, e o Espírito de Deus pairava por sobre as águas.
3Disse Deus: Haja luz; e houve luz. 4E viu Deus que a luz era boa; e fez separação entre a luz e as trevas. 5Chamou Deus à luz Dia e às trevas, Noite. Houve tarde e manhã, o primeiro dia.
O modo como vemos o mundo molda o modo como vivemos nele. As concepções atuais sobre o mundo variam do empirismo (que afirma que tudo que percebemos não passam de estímulos desconexos que são interpretados por nós, na tentativa de criar uma ilusão de que há sentido na vida) à religiosidade baseada em seres espirituais bons e maus que afetam caprichosamente nosso dia-a-dia. Assim, o mundo ao redor é ou sem sentido, ou um lugar de possibilidades (muitas vezes ruins) que nos surgem sem aviso.
Um mundo desconfortável, como nos diriam os estressados, os depressivos e os suicidas. A fim de sobreviver nele, buscamos ajuda de elementos que nos tragam uma sensação de segurança: dinheiro, beleza, um bom currículo, entidades e deuses, contatos, fama... Cada contexto tem seus estímulos, chefes, entidades, regras. Viver tornou-se fragmentado: diferentes papéis, regras e éticas para diferentes situações, lugares, tempos e pessoas. De modo que crer em um só Deus, e viver de um modo coerente com Ele, tornou-se um desafio.
Um desafio não menor do que tiveram os hebreus que saíram de um mundo conhecido (o Egito) e iam para Canaã (o mundo novo e desconhecido). Estavam entre dois lugares que afirmavam coisas semelhantes em relação ao mundo, como ele funciona e como se dar bem nele. Não foi à toa que quando as coisas ficavam complicadas a ideia de voltar ao Egito, ou de fazer um bezerro de ouro (como o deus egípcio Ápis), era tão atraente: era um jeito “comprovado” de resolver as coisas.
Havia o risco das trevas/ morte que sempre ameaçavam os egípcios e os cananitas. Sol e mar eram deuses que poderiam estar contra ou a favor de você. As estações e a seca eram vistas como a ausência ou a fúria de um deus. Quando você queria plantar, precisava agradar o deus da fertilidade; quando queria pescar, precisava prestar culto ao deus do mar. A vida era fragmentada, incerta e cansativa, pois era preciso agradar a “gregos e troianos”.
A fim de manterem-se fieis a Deus, os hebreus precisavam conhecê-lo, bem como Ele se relacionava com os “outros deuses” que concorriam com Ele. Assim, Gênesis 1 começa com a concepção de início do Oriente Próximo daquela época: A terra, porém, estava sem forma e vazia; havia trevas sobre a face do abismo, e o Espírito de Deus pairava por sobre as águas. (v.2). Além disso, lida com elementos que eram tidos como deuses ou representantes deles: o sol, as trevas, o mar, os animais... O objetivo deste texto não é tanto dizer que há um só Deus (outras partes da Bíblia dizem isso com muito mais clareza), muito menos trazer o cronograma da criação do mundo (os 6 dias são colocados em paralelos: 1º e 4º, 2º e 5º, 3º e 6º; não em seqüência lógica), mas sim mostrar a grandeza de Deus de tal forma que a busca de qualquer outro “deus” pareça perda de tempo. Uma receita poderosa para todos os encontros com novos povos e crenças.
Aqui, Deus é o criador de todas as coisas, incluindo o sol e o mar. É Ele quem põe ordem no caos inicial, criando um mundo organizado geograficamente e temporalmente – Disse também Deus: Haja luzeiros no firmamento dos céus, para fazerem separação entre o dia e a noite; e sejam eles para sinais, para estações, para dias e anos (v.14). Tudo que Ele cria é bom e perfeito (pois reflete a Sua face), tem seu lugar específico e está cheio de vida, povoando e multiplicando sobre a terra, nos céus e no mar. Ele dá nome a tudo (uma demonstração de seu governo e autoridade) e separa o bom do mau (a luz das trevas). Além disso, Ele é o Deus que está sempre agindo no mundo corrompido pelo pecado (Gn 3) nesses termos: a palavra criar pode ter o sentido de recriar. Criar é sua atitude “natural” diante do caos: o Espírito de Deus pairava por sobre as águas (v.2). Assim a criação nunca tem fim; Deus está trabalhando todos os (6) dias da semana: separando do mundo mau um povo para ser bom; governando a política internacional; criando e dando coisas boas a seus filhos; providenciando a chuva, a benção e a fertilidade no tempo determinado. O ponto alto dessa ação foi em Cristo, o qual morreu e ressuscitou a fim de levar essa história ao seu cumprimento pleno (os novos céus e terra dos capítulos finais do Apocalipse), de acordo com o plano eterno da Trindade.
Por isso, as festas do povo têm ligação com o ciclo da lavoura (como as ofertas dos primeiros frutos), fazendo do ir e vir das estações não um motivo de alarde, mas de celebração. Por isso, eram um só povo; tinham uma vida coerente, com um só jeito de viver. Pois buscavam a um só Deus, que os cria e os separa. O Deus que lhes garante a vida, que lhes traz saúde, que lhes separa uma terra, que aumenta seu gado e a sua descendência. O Deus que governa o dia de hoje e o de amanhã e as quatro estações do ano. O Deus que tem poder sobre a natureza, os homens, a morte e sobre os “deuses” de seus inimigos. O Deus que tem sua face refletida na luz do sol, nas constelações, no orvalho, na pétala de uma flor, no trovejar da tempestade, nas ondas do mar, no choro do recém-nascido e no rugido do leão.
Um Deus assim muda a vida. Não preciso temer os modismos do mercado, os “ins e outs” da cultura, da política e da economia, ou mesmo o futuro, pois Deus está constantemente fazendo coisas boas e perfeitas, colocando ordem no caos ao meu redor. Minha vida e personalidade podem ser uma, pois um só Deus chefia todos os lugares e acontecimentos. O mundo tem sim seus perigos, mas também tem em si mesmo “o livro da natureza” que me leva ao nosso Criador todas as vezes que eu o contemplo com olhos renovados. Dessa maneira, a pesquisa científica e a arte representativa tornam-se atos de adoração. Posso ser um com meu próximo, com os países vizinhos, com pessoas de qualquer etnia, pois temos o mesmo Criador. Não preciso depositar minha segurança em coisas instáveis, mas no relacionamento com o Deus que tudo governa e tudo provê.

Deste modo, por que os hebreus ou nós precisamos de algum outro deus? Todas as outras fontes de sobrevivência dependem de uma só. O Criador. A boa notícia é que Ele é bom e perfeito e está nos separando e recriando para si. Dependa dEle, sirva a Ele, viva com Ele.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

O Rei vem - vigiem!


Mc 13.24-27,32-37

24"Mas naqueles dias, após aquela tribulação,
" 'o sol escurecerá
    e a lua não dará a sua luz;
25as estrelas cairão do céu
    e os poderes celestes
    serão abalados'
26"Então se verá o Filho do homem vindo nas nuvens com grande poder e glória. 27E ele enviará os seus anjos e reunirá os [seus] eleitos dos quatro ventos, dos confins da terra até os confins do céu.
32"Quanto ao dia e à hora ninguém sabe, nem os anjos no céu, nem o Filho, senão somente o Pai. 33Fiquem atentos! Vigiem! Vocês não sabem quando virá esse tempo. 34É como um homem que sai de viagem. Ele deixa sua casa, encarrega de tarefas cada um dos seus servos e ordena ao porteiro que vigie. 35Portanto, vigiem, porque vocês não sabem quando o dono da casa voltará: se à tarde, à meia-noite, ao cantar do galo ou ao amanhecer. 36Se ele vier de repente, que não os encontre dormindo! 37O que lhes digo, digo a todos: Vigiem!"

Através dos artigos desta série, vimos o que quer dizer Jesus vir como Rei e quais as implicações para nossas vidas. Ao fim deste bloco de Marcos, Jesus fala sobre “os últimos dias” e o sofrimento de seus discípulos em tempos de perseguição ao nome de Jesus. Este trecho acaba com o julgamento de um mundo “sem frutos”, caído em pecado, decadência e rebelião contra Deus, o que é representado pelo colapso dos corpos celestes nos v.24-25.
Diante de uma situação tão apavorante, os discípulos de Jesus têm a maravilhosa notícia da vinda de seu Rei com grande poder e glória (v.26). Assim como no texto a que Jesus está aludindo, Dn 7.13-14, o Filho do homem (Jesus) virá para julgar todas as coisas, mas reunirá seus discípulos, seus eleitos, os que creem em sua salvação por meio de sua morte, ressurreição, ascensão e exaltação, para viver eternamente consigo em Seu Reino. A partir deste momento Jesus será visto em todo seu poder, autoridade e grandeza; uma visão gloriosa que nunca perderá seu brilho e que encherá eternamente seus eleitos de prazer e alegria.
Porém, diante dos problemas e da aparente demora de Jesus, os discípulos podem perder de vista esta promessa e abandonar Seus caminhos, vivendo de acordo com os padrões deste mundo caído, correndo o risco de serem condenados com ele. Para que isso não ocorra, Jesus os ordena a vigiar, manterem-se atentos na expectativa da volta de seu Senhor, a fim de que não sejam como a figueira sem frutos (Mc 11.13), como o templo corrompido (11.17) ou como os lavradores mortos (12.9). Caso mantenham-se firmes no caminho de Jesus, serão recolhidos na hora incerta da vinda do seu Senhor.
Assim como na época dos evangelistas, nós vivemos hoje em um mundo de oposição ao evangelho. Não bastasse isso, vivemos em um mundo de imediatismo. “Apagamos incêndios” continuamente; vivemos para o hoje que nos atropela, tentando aproveitar as oportunidades que desaparecem tão rápido quanto surgem, e a velha pergunta – ‘onde você estará daqui a dez anos?’ – parece cada vez mais nos remeter a um futuro abstrato e obscuro.
Em face disso, lidamos com a vida de modo funcional, como se a verdade fosse aquilo que faz as “coisas darem certo”. Diante dos problemas e as oportunidades que reclamam a nossa resposta a todo instante, a expectativa da volta futura de Jesus começa a parecer disfuncional. Começamos a buscar outras soluções, mais fáceis e recompensadoras, para nossos problemas vocacionais, financeiros, sociais e relacionais. Começamos a viver como se o “jogo da vida” fosse tudo o que há para viver; como se ficar parado fosse a nossa morte; como se tudo dependesse de nós, deixando-nos ansiosos e temerosos, oportunistas e manipuladores, egoístas e amorais.
Mas Jesus direciona nossos olhos para os bastidores deste mundo e ordena-nos que vivamos na expectativa da sua volta, do seu julgamento, dos “novos céus e nova terra”. Com este olhar, vemos que o sucesso (seja em qualquer área) não é a meta da nossa existência, nem o critério através do qual devemos avaliar a nós ou o nosso estilo de vida. Pois o Rei, o Senhor da vinha, o dono da casa, está vindo e quer receber os frutos da sua colheita e a sua casa em ordem.
Tal realidade deve mudar nossos valores e estilo de vida. Como? Basta olhar para os textos anteriores. Eles nos convidam a clamar ao Rei Jesus em nossas necessidades; a viver de modo outro-centrado, sendo um “local de acolhimento” para todos os que O buscam; orar por todos com a fé que Ele nos concede em Seu poder e misericórdia; lutar pela manifestação integral do Reino de Deus entre nós; simplificar a nossa vida a fim de viver de maneira dedicada a Deus e ao próximo; bem como amá-los da maneira devida, como obediência aos mandamentos de Deus; pregando o evangelho com o auxílio do Espírito Santo etc.
Concluindo, o Rei vem. Como Ele te encontrará?

quarta-feira, 16 de maio de 2012

O Rei vem - Tudo entregarei


Mc 12.41-44

41Jesus sentou-se em frente do lugar onde eram colocadas as contribuições, e observava a multidão colocando o dinheiro nas caixas de ofertas. Muitos ricos lançavam ali grandes quantias. 42Então, uma viúva pobre chegou-se e colocou duas pequeninas moedas de cobre, de muito pouco valor.
43Chamando a si os seus discípulos, Jesus declarou: " Verdadeiramente, afirmo-lhes que esta viúva pobre colocou na caixa de ofertas mais do que todos os outros. 44Todos deram do que lhes sobrava; mas ela, da sua pobreza, deu tudo o que possuía para viver".

Palavras como “compromisso”, “abnegação” e “sacrifício” caíram em desuso hoje. Mesmo em meio aos cristãos. É verdade; todos dizem que vivem “apenas para Jesus”. Mas quão poucos são regulares em suas ofertas, sua presença nos cultos, na sua dedicação à missão. As palavras caíram em desuso, não porque não sejam mais ditas, mas porque não são mais “encarnadas”. Muitos dos que reclamam da falta de compromisso dos cristãos, são os menos comprometidos. E também há muitos que parecem dedicar-se muito, mas aos olhos de Deus, têm feito muito pouco.
Esse parece ser o caso dos ricos deste texto de Marcos. Eles eram tidos como muito piedosos, mas davam apenas do que lhes sobrava. Eram como a figueira cheia de folhas, mas sem frutos (Mc 11.13); como o templo sagrado, mas cheio de ladrões (11.17) e como os lavradores que queriam tomar a vinha para si. Eram os herodianos e fariseus hipócritas (12.15); os saduceus que não conhecem as Escrituras nem o poder de Deus (12.24); ou os mestres da lei, os quais eram ricos porque devoram as casas das viúvas e, para disfarçar, fazem longas orações (12.40).
Mas eis que chega uma viúva pobre e põe duas moedas de valor insignificante. Apenas o suficiente para comprar um pão para comer. A diferença entre ela e os ricos é gritante, pois ela passaria fome aquele dia; era mulher (portanto sem um conhecimento das Escrituras comparável ao dos opositores de Jesus), viúva, pobre, explorada. Em sua pobreza, simplicidade e dedicação ela deu mais do que todos os outros, pois ela, da sua pobreza, deu tudo o que possuía para viver (v.43,44). E por isso, Jesus a valoriza, e não ao resto.
Mas, e nós? Somos “ricos” ou “viúvas pobres”?
Infelizmente, hoje há muitos de nós que são “ricos”.  Como um líder de uma igreja que oferta muito, mas não deposita o fundo de garantia dos seus empregados. Há jovens que são fervorosos em reuniões de oração e estudo da bíblia, mas que desaparecem quando começam a namorar; dízimos e ofertas reduzidos quando as contas apertam (embora o estilo de vida não tenha mudado); faltamos aos cultos (especialmente no domingo de manhã) porque estamos cansados demais buscando nossos interesses e não queremos descansar no horário do jogo, no domingo à tarde; damos poucas “esmolas” porque temos de comprar o novo acessório, ver a última estreia no cinema ou comer num lugar mais caro. Não agimos como mordomos de “nosso” tempo/ dinheiro/ profissão/ estudos/ amor... pois damos o que “sobra” (o que não nos faz falta). Vivemos vidas fúteis porque esquecemos que, “Tudo que não é eterno, é eternamente inútil” (C.S. Lewis).
Mas Deus valoriza aqueles que dedicam toda a sua vida a Ele. Como essa viúva pobre. Como Toyohiko Kagawa, o qual dividia seu barracão numa favela e suas duas tigelas de arroz diárias com quem necessitasse, além de comprar remédios para as prostitutas doentes que viviam em sua vizinhança, embora não tivesse dinheiro para comprar uma roupa nova em anos. Pois todos seremos julgados de acordo com o que fazemos, pois nossas ações demonstram a fé que temos. Como na parábola dos bodes e das ovelhas, quando o Rei nos responderá Digo-lhes a verdade: O que vocês fizeram a algum dos meus menores irmãos, a mim o fizeram (Mt 25.40).
A fim de viver para Deus e para o próximo devemos mudar nosso estilo de vida. John Stott disse: “Nossa obediência cristã exige um estilo de vida simples (...) o fato de 800 milhões de pessoas estarem na pobreza absoluta e 10 mil morrerem de fome todo dia, torna inviável qualquer outro estilo de vida”. Por isso, porque não deixar de sair um fim de semana a fim de separamos uma quantia por mês para auxiliar uma ONG que cuida de pessoas carentes? Por que não viver de maneira mais simples a fim de manter contribuições para pessoas e para a obra de Deus? Por que não deixar de fazer tantos cursos a fim de ter tempo para dedicar-se a Deus e aos outros? Por que não combinar com o parceiro de se verem um pouco menos para verem Deus um pouco mais? Por que não ver a Deus juntos? Por que não sentar e fazer uma lista do que é inútil, ou do que poderia ser economizado e doado? E do que poderia ser feito no lugar?
Encerro com as palavras de C.S. Lewis, em Cartas do Diabo a seu Aprendiz: “E o engraçado nisso tudo é que a palavra “meu”, em seu sentido completamente possessivo, não pode ser emitida por nenhum ser humano a propósito de coisa nenhuma. A longo prazo, ou o Nosso Pai [Satanás] ou o Inimigo [Deus] dirá “meu” sobre tudo quanto existe, especialmente, em relação a cada se humano. Não tenha medo, no final, eles descobrirão a quem seu tempo, suas almas e seus corpos realmente pertencem – certamente não serão deles independente do que aconteça. Atualmente, o Inimigo diz “meu” a respeito de tudo sob a alegação pedante e legalista de que ele tudo criou. Nosso Pai espera poder dizer no final “meu” para todas as coisas, baseado na razão mais realista e dinâmica da usurpação”.

quarta-feira, 9 de maio de 2012

O Rei vem - Reina em mim


Mc 12.35-40

35Ensinando no templo, Jesus perguntou: "Como os mestres da lei dizem que o Cristo é filho de Davi? 36O próprio Davi, falando pelo Espírito Santo, disse:
" 'O Senhor disse
ao meu Senhor:
Senta-te à minha direita
até que eu ponha
os teus inimigos
debaixo de teus pés'
37O próprio Davi o chama 'Senhor'. Como pode, então, ser ele seu filho?"
E a grande multidão o ouvia com prazer.
38Ao ensinar, Jesus dizia: "Cuidado com os mestres da lei. Eles fazem questão de andar com roupas especiais, de receber saudações nas praças 39e de ocupar os lugares mais importantes nas sinagogas e os lugares de honra nos banquetes. 40Eles devoram as casas das viúvas, e, para disfarçar, fazem longas orações. Esses receberão condenação mais severa!"

Mês passado, alguns colegas perguntaram a um membro de uma denominação religiosa bem conhecida pela Teologia da Prosperidade sobre o quê aquela denominação dizia sobre Jesus. O membro disse: “aqui nós não pregamos religião, nem a Bíblia; nós dizemos que Jesus é liberdade”. Talvez seja por isso que um conhecido meu, neste ano, foi morar com uma moça (com quem não se casou) dessa mesma denominação. Ela faz questão de dar o dízimo, mas não de dormir somente com alguém com quem tenha se casado antes. Faz questão de ir à “igreja” todo domingo, mas não de dizer com seus atos que “Jesus é o Senhor”.
Ao comparar a nossa época com a de Jesus, percebemos um estranho contraste. Na época de Jesus as pessoas sabiam que o Cristo é Senhor, mas não sabiam que Ele é Deus (v.35-37); hoje elas dizem que Jesus é Deus, mas não vivem como se Ele fosse Senhor. Assim como na época de Jesus, a confusão sobre quem Ele é começa nos que têm o dever de ensinar o povo, sejam mestres da Lei nos tempos de Jesus (v.35), sejam nossos atuais “pastores, bispos, apóstolos e patriarcas”.
Esses, mais interessados em suas posições, fama, influência e sucesso financeiro, também fazem questão de andar com roupas especiais (ternos e gravatas), de receber saudações nas praças (mercados, feiras, igrejas e programas de TV) e de ocupar os lugares mais importantes nas sinagogas (ou no “templo”). Isso me faz lembrar um pastor de uma igreja protestante tradicional que se assentava de frente para o público, um pouco atrás do púlpito, como um soberano, mesmo quando não fosse ter qualquer participação no culto. E também os lugares de honra nos banquetes (afinal de contas, o pastor não pode ficar na fila do almoço comunitário, não é mesmo?). Além disso, muitos devoram as casas das viúvas, e, para disfarçar, fazem longas orações; seja através de promessas de muitas bênçãos, ou como uma pessoa da mesma denominação que eu (protestante) disse sobre “seu pastor”: “estranho ele sempre marcar visita perto da hora do almoço...”.
O fato é que ser pastor, líder de ministério, parte do grupo de louvor ou mesmo “crente”, tem alguns benefícios, desde o cabide de empregos (com direito a aprovação social e casa pastoral), à possibilidade de ser bem visto e, quem sabe, ter uma fatia do mercado (“gospel” para o meio artístico, “bancada evangélica” para o político, “crente” para o relacional). No mundo competitivo em que vivemos (seja na economia, política, influência, mídia, relacionamentos e amores), há um “jeitinho brasileiro”, mas “crente”, de se chegar antes e mais longe.
Isto tudo chega a tal ponto que muitos ficamos indignados com o sucesso que alguns “atores e atrizes gospel” ao nosso redor têm conquistado.
Porém, tudo isso terá um fim, como diz o Salmo 110, citado por Jesus no v.36 deste texto.
Aqui Jesus nos eleva a um conhecimento mais profundo sobre si mesmo. É certo que este texto era conhecido de todos, mas como o palácio do rei ficava à direita do templo de Jerusalém, é bem possível que as pessoas na época de Jesus não entendessem bem o que o salmo de Davi anunciava. Possivelmente, criam que o Salmo 110 dizia que o Messias, o Cristo, se assentaria no palácio, à direita do templo de Deus, em Jerusalém. Mas o que Jesus quis dizer, é que Ele mesmo, o Messias, se assenta ao lado do próprio Deus. Em outras palavras, que Ele está em pé de igualdade com Deus – ou seja, Ele é Deus.
Se continuássemos a ler o Salmo 110, perceberíamos que ele fala do domínio do Senhor sobre todos os Seus inimigos (de todas as nações da terra), através de seu próprio poder e de seu povo, o qual Ele teria purificado de toda a injustiça e pecado; bem como veríamos este “Senhor” como sacerdote (alguém que reconcilia as pessoas com Deus para um relacionamento). E não somente isso, pois todos os inimigos são colocados debaixo dos pés desse Senhor, o que demonstra que Deus lhe dará total supremacia sobre todo ser humano.
Mas Jesus afirma que os mestres da Lei também podem ser considerados inimigos de Deus, na medida em que também podem sofrer a condenação dele (v.40) e condenação maior ainda, pois devendo instruir o povo e tendo uma posição especial, usam dessas coisas em benefício próprio. Eles e nós deveríamos ouvir o conselho de Tiago (3.1): Meus irmãos, não sejam muitos de vocês mestres, pois vocês sabem que nós, os que ensinamos, seremos julgados com maior rigor. Pois aqueles que têm o dever de instruir e de ser exemplo, ou que ocupam posições de destaque, são julgados de acordo com a sua posição.
Assim Jesus é o próprio Deus e possui supremacia sobre todos e tudo que já existiu e ainda existirá. Ele domina todas as coisas e nada está acima dele, que se assenta à direita do Pai. Ele é o Rei de toda a humanidade e traz um Reino de retidão, ao invés de hipocrisia; de justiça e bondade, ao invés de exploração; de condenação para os inimigos de Deus (estejam eles fora ou dentro da igreja), mas de reconciliação com Deus para um relacionamento eterno aos que se voltam a Ele com sinceridade. Ele é o Rei dos reis, o Senhor dos senhores, exaltado acima de tudo e de todos para todo sempre. Seu reinado não tem fim ou imperfeição, pois não tolera o pecado e a falsidade. Condena os que usam máscaras, mas perdoa e purifica os que as retiram.
Diante dEle, devemos nos arrepender e, deixando nossos interesses mesquinhos e egoístas de lado, buscar os Seus interesses, a fim de que Ele seja honrado em nossa humilhação, seja rico em nossa pobreza, agradado em nossa abnegação, visto enquanto somos ignorados e procurado enquanto somos esquecidos.
Assim como num relato do pr. Eugene Peterson. Ele e a esposa haviam assistido uma palestra do psiquiatra francês Paul Tournier. Durante o caminho para casa, ambos comentavam de modo muito positivo sobre a palestra, até que a esposa disse: “a tradução também foi excelente!”. Eugene, surpreso, respondeu: “que tradução?” “Eugene, você não fala francês, é claro que houve uma tradução”, ela retrucou. Então, ele começou a lembrar-se. De fato, o psiquiatra havia falado em francês o tempo todo, mas havia uma senhora, muito discreta, traduzindo tudo. Tão discreta que Eugene não se lembrava dela ou da fala em francês do palestrante!
Da mesma forma, a fim de que Cristo seja revelado em sua supremacia, devemos viver, falar, pensar e agir de tal forma que as pessoas não “percebam que estamos ali”. Nossa vida deve ser, em todos os detalhes, uma tradução perfeita da supremacia de Cristo. Mortos para nossos gostos, interesses, anseios, necessidades, desejos, ideias, planos e preferências; mas vivos para tudo quanto Deus nos guia e nos revela acerca de Seus desejos, projetos, interesses e mandamentos.
Quando isto ocorrer, a grande multidão nos ouvirá com prazer (v.37). Pois Cristo lhes será revelado em toda a sua glória e autoridade. Isso porque a maior necessidade e desejo de todo ser humano (quando o pecado não o ofusca) é a glória de Deus, pois para isso fomos criados (para que Ele seja glorificado) e fomos redimidos por Jesus para sermos conforme a Sua imagem gloriosa, a fim de que, sobre nós e em nós, Ele reine soberanamente e seja visto e reconhecido por todos em toda a Sua glória.
Somente desta forma, será justo e benéfico a todos o ocuparmos um lugar de destaque onde estivermos. Somente assim será justo que todos (inclusive nós mesmos) tenhamos prazer em nós (e em nossos novos anseios, desejos e ideias), pois Jesus será o Senhor de fato, sobre nós e através de nós. Somente assim, quem nos honrar, estará honrando a Deus e quem nos der mesmo que seja apenas um copo de água fria, não perderá a sua recompensa (Mt 10.42).

quarta-feira, 2 de maio de 2012

O Rei vem – A essência do Reino de Jesus


Mc 12.28-34

28Um dos mestres da lei aproximou-se e os ouviu discutindo. Notando que Jesus lhes dera uma boa resposta, perguntou-lhe: "De todos os mandamentos, qual é o mais importante?"
 29Respondeu Jesus: "O mais importante é este: 'Ouve, ó Israel, o Senhor, o nosso Deus, o Senhor é o único Senhor. 30Ame o Senhor, o seu Deus, de todo o seu coração, de toda a sua alma, de todo o seu entendimento e de todas as suas forças' 31O segundo é este: 'Ame o seu próximo como a si mesmo' Não existe mandamento maior do que estes".
32"Muito bem, mestre", disse o homem. "Estás certo ao dizeres que Deus é único e que não existe outro além dele. 33Amá-lo de todo o coração, de todo o entendimento e de todas as forças, e amar ao próximo como a si mesmo é mais importante do que todos os sacrifícios e ofertas".
34Vendo que ele tinha respondido sabiamente, Jesus lhe disse: "Você não está longe do Reino de Deus". Daí por diante ninguém mais ousava lhe fazer perguntas.

Uma vez um pastor amargurado com a igreja deu o seguinte conselho a um seminarista: “não deixe as pessoas da igreja se aproximarem de você; faça seu trabalho e vá para casa”. Este tipo de mentalidade parece ocorrer com todo tipo de gente em nosso meio cristão; são pessoas que parecem mais empregados de Deus, do que filhos dEle e irmãos dos outros cristãos. Para muitas pessoas parece haver certa tentativa de ver Deus e os “irmãos” como inimigos potenciais, sempre prontos a nos dar uma facada nas costas caso não pareçamos bons o bastante.
Esta passagem de Marcos traz essa mesma contradição, opondo o pensamento da época de Jesus – no qual os rituais de purificação são mais importantes – e o pensamento do próprio Jesus, centrado no amor.
Embora este pareça ser um mestre da lei com uma boa “teologia” (o único desta seção de Marcos que é elogiado por Jesus, v.34), não se pode negar que, na sua resposta, a “má teologia” da época é trazida à tona nas palavras todos os sacrifícios e ofertas. Pois os fariseus (uma seita da época de Jesus) criam que deveriam merecer a entrada no Reino de Deus, dando grande importância aos sacrifícios (que “apagavam pecados”, tidos como “dívidas no saldo com Deus”) e ofertas (que davam uma espécie de “bom crédito”). De fato, eles viviam calculando quantas boas obras e quantos pecados haviam cometido, sempre tentando deixar um crédito positivo, caso morressem de repente. Como diria Teodoro de Mopsuéstia, era uma vida de escravo e não de um filho de Deus.
Mas Jesus nos torna filhos de Deus. A Lei maior de seu Reino é o amor. É uma Lei que liberta e traz à vida o prazer, a festa, o canto, as brincadeiras e os risos. O relacionamento com Deus é expresso num amor intenso e profundo que envolve todo o nosso ser, promovendo integridade entre mente, corpo e emoções; ao mesmo tempo em que nos liberta de nosso egoísmo e nos dá uma referência à vida. Pois nos leva a amar aquele que é o mais digno de ser amado, o mais bondoso, o mais justo, o mais santo, o mais sábio, criador de tudo o que é bom e nos dá prazer e paz, redentor de tudo que nos machuca e faz adoecer, digno de honra e louvor, aquele que nos amou mais do que todos (inclusive mais do que nós mesmos jamais nos amamos ou amaremos), a ponto de dar seu Filho numa cruz por nós. Assim, em todo seu amor e grandeza, Ele é único e incomparável.
Por isso, mais digno de amor do que tudo o mais. Portanto, totalmente digno de que vivamos inteiramente para Ele e não para nós, buscando os Seus interesses em lugar dos nossos e o Seu prazer muito acima do nosso. Pois o que poderia ser mais excelente do que aquilo que Ele deseja? E o que poderia ser mais benéfico para nós do que aquilo que o ser que mais nos ama, que conhece e rege todas as coisas (do passado, presente e futuro) em todos os seus mínimos detalhes, que é infinitamente sábio e generoso, nos ordena?
Mas Jesus nos leva além. O mestre perguntou qual o principal mandamento (singular), mas Jesus nos trouxe dois! Isso porque o amor a Deus e ao próximo são igualmente importantes para Deus. Na verdade, não podemos dizer que vivemos para Deus se não vivermos para o nosso próximo, pois diz o apóstolo João em sua primeira carta: Se alguém afirmar: "Eu amo a Deus", mas odiar seu irmão, é mentiroso, pois quem não ama seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê. (1Jo 4.20). Deste modo, não é possível, aos olhos de Deus e de Jesus, uma “espiritualidade” individualista, pois fomos criados para viver em eterna comunhão com Deus e com o próximo.
Também não devo ser o foco da minha vida e deixar o próximo em segundo plano, porque devo amá-lo como a mim mesmo. Na verdade, toda a nossa vida deve ser dedicada ao próximo como uma forma de dedicação a Deus, cuidando dele em todas as suas necessidades – ou, como diria Francisco de Assis, devemos ser como mães do nosso próximo. Caso façamos isso, temos certeza de vivermos como súditos de Jesus, em gratidão a Ele: Nisto conhecemos o que é o amor: Jesus Cristo deu a sua vida por nós, e devemos dar a nossa vida por nossos irmãos. Se alguém tiver recursos materiais e, vendo seu irmão em necessidade, não se compadecer dele, como pode permanecer nele o amor de Deus? (1Jo 3.16-17).
Caso façamos assim, além de não estarmos longe do Reino de Deus (v.34), estaremos dentro dele! Pois o amor é a essência do Reino de Jesus, como Ele diz no evangelho de João 13.34-35: "Um novo mandamento lhes dou: Amem-se uns aos outros. Como eu os amei, vocês devem amar-se uns aos outros. Com isso todos saberão que vocês são meus discípulos, se vocês se amarem uns aos outros". De modo que se não amarmos, ficará claro que não fazemos parte dele: Sabemos que já passamos da morte para a vida porque amamos nossos irmãos. Quem não ama permanece na morte. Quem odeia seu irmão é assassino, e vocês sabem que nenhum assassino tem a vida eterna em si mesmo. (1Jo 3.14-15).
Além disso, não se pode dizer que algo feito sem amor tenha qualquer valor para Deus. Indo contra a espiritualidade de nosso tempo, baseada em experiências místicas, conhecimento de “mistérios” individuais e boas ações, o apóstolo Paulo nos eleva a um caminho ainda mais excelente, o caminho do amor (1Co 12.31-13.3). Ainda por cima nos ajuda a entender que o amor é um estilo de vida e não um sentimento confuso e passageiro: O amor é paciente, o amor é bondoso. Não inveja, não se vangloria, não se orgulha. Não maltrata, não procura seus interesses, não se ira facilmente, não guarda rancor. O amor não se alegra com a injustiça, mas se alegra com a verdade. Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. (1Co 13.4-7). E, para nos trazer alívio, também nos mostra que o amor não é um esforço desgastante, mas a vida de Deus em nós, pois ele é consequência de Sua presença em nosso ser (Gl 5.22).
Por isso, o amor começa na oração que clama pelo Espírito Santo em nós, bem como na constante abertura à revelação do amor de Deus por nós na Sua Palavra (Sua carta de amor por nós, como disseram alguns teólogos) e no Seu cuidado diário, tão maravilhoso quanto a cruz e a ressurreição de Cristo.
Concluindo, muitos têm vivido como empregados, longe de Deus e do próximo. Mas Jesus quer nos tornar filhos de Deus, levando-nos a entrar no Seu Reino de amor. Logo, saiamos da escravidão e vivamos, cheios do Espírito Santo, em amor a Deus e ao próximo.