quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Vozes no Deserto

     Tenho conversado com muitas pessoas, de diferentes igrejas e denominações cristãs sérias.Os relatos são semelhantes: encontros para oração e leitura comunitária da Palavra com pouquíssimos jovens (em contraposição aos eventos e "intercâmbios" cheios) e uma visível superficialidade espiritual - evidenciada em falta de conhecimento bíblico e ética cristã contestável, com o sério agravante no qual essas pessoas atestam (também para si mesmas?) que vivem para a glória de Deus em todas as coisas.
     Como explicar isso? Parece-me que vivemos sob duas referências. A primeira é a de que nossos sonhos, anseios e desejos trazem sentido à nossa vida (tanto no aspecto existencial quanto na orientação de nossos esforços e planos) e que, portanto, devem ser buscados sem interrupção e do jeito que for possível (o que muitas vezes significa torcer a vontade de Deus e Sua palavra para que tudo se encaixe). A segunda é que o discipulado cristão que vivemos hoje, seja quão superficial for, é tudo que Deus tem para nós. Ou seja, nossas referências são reajustadas para validar o estilo de vida que queremos viver.
     Numa situação como esta, o evangelho de Marcos pode nos trazer ao rumo certo: o de tornar a cruz a nossa referência de vida cristã.
    Ele começa com o ministério de João Batista, como aquele que prepara o caminho para que Jesus venha. Ele é um enviado de Deus para comunicar aquilo que Deus quer dizer. Ele é uma voz. Ou como se dizia a muito tempo: ele é a boca de Deus. Pois é Deus quem clama no deserto através do profeta. E clama NO DESERTO. Um lugar hostil e sem vida; lugar de dificuldades.
     Ao longo da espiritualidade cristã, o deserto tornou-se metáfora de dificuldades espirituais. Quando a busca por Deus torna-se aparentemente infrutífera, quando nossas experiências são tão internas que não as alcançamos. Para os nossos antepassados cristãos esse momento de crise era o caminho para uma espiritualidade mais profunda. Porém, hoje, o deserto de muitos tornou-se o ponto ideal; não mais de um  caminho para a maturidade, mas para a superficialidade. Afinal de contas, "as coisas são assim mesmo". Vivemos num deserto não da mudança, mas da estagnação, da escassez de profundidade espiritual, quando jovens vivem desenfreadamente para suas carreiras, futuros, previdências, sonhos, prazeres (sexuais ou não) e tudo para a glória de Deus! E com isso Cristo está apagado em nossas vidas pessoais e comunitárias. Talvez isso explique a falta de crescimento sustentável em nossas igrejas.
     O que Deus está clamando neste deserto? "Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas" (Mc 1.3). Era um batismo de arrependimento. Já é hora de trocarmos o batismo da vitória pessoal pelo batismo do arrependimento. Precisamos endireitar a nossa vida, vivendo como reais discípulos de Jesus Cristo. O discípulo é aquele que imita a vida de quem segue. Nossas vidas pessoais e comunitárias são as vidas que Jesus viveria? Elas são vidas de cruz?
     Essa é a condição para uma outra postura necessária hoje: cada cristão deve ser a voz de Deus ao seu próximo (cristão ou não cristão). Isso exigirá a pouca preocupação com uma vida de conforto, a semelhança de João Batista, cujas vestes "eram feitas de pêlos de camelo; ele trazia um cinto de couro e se alimentava de gafanhotos e mel silvestre" (Mc 1.6). Pois este não é um movimento de crentes mimados. Mas de servos abnegados.
     O que devemos ansiar neste processo? Que as pessoas ajam como no v.5 deste trecho e unam-se às vozes de Deus no deserto e, juntas, confessem sua superficialidade e vida pouco exigente (pecaminosa) e busquem um batismo de arrependimento. Assim Cristo terá um caminho para parecer mais real e presente em nossas vidas pessoais e comunitárias.
     Venhamos e mudemos. Endireitemos nossas vidas, saindo do lamaçal da superficialidade e busquemos as profundezas daquilo que Deus tem para nós em si mesmo, na Sua cruz e ressurreição. E sejamos a voz
(ou a boca) de Deus em nossos dias. E tudo isso para a glória de Deus!

Um comentário:

  1. Infelizmente, muitos da nossa geração conhecem somente o cristianismo teórico, o evangeliquês. A internalização do evangelho, a comunhão, a conversa diária, a oração secreta no quarto já não fazem parte da rotina espiritual... assuntos nem tão falados, nem valorizados e tão pouco ensinados. E são essas práticas a base da espiritualidade dos pais do deserto.

    "Para os nossos antepassados cristãos esse momento de crise era o caminho para uma espiritualidade mais profunda."

    Eles vivenciaram um deserto como desafio em que cada momento é apreciado. Cada dificuldade sentida, vivida e aprendida e que no fim gera um bom fruto. Eles conseguiram ver a beleza do deserto ao viver o evangelho do jeito mais simples e abnegado.

    Uma música que traz estes princípios pra mim e a Hallelujah (Kevin Max ou Kate Voegele):

    "Houve um tempo em que você me contava
    Tudo o que realmente acontecia
    Mas agora você nunca me mostra, não é?

    E você se lembra quando eu entrei em você
    E a pomba sagrada também entrou
    E todo o suspiro que dávamos era um Aleluia?"

    Abraços

    ResponderExcluir