quarta-feira, 28 de março de 2012

O Rei vem! - domingo de ramos


Mc 11.1-10

1Quando se aproximaram de Jerusalém e chegaram a Betfagé e Betânia, perto do monte das Oliveiras, Jesus enviou dois de seus discípulos, 2dizendo-lhes: "Vão ao povoado que está adiante de vocês; logo que entrarem, encontrarão um jumentinho amarrado, no qual ninguém jamais montou. Desamarrem-no e tragam-no aqui. 3Se alguém lhes perguntar: 'Por que vocês estão fazendo isso?', digam-lhe: O Senhor precisa dele e logo o devolverá".
4Eles foram e encontraram um jumentinho na rua, amarrado a um portão. Enquanto o desamarravam, 5alguns dos que ali estavam lhes perguntaram: "O que vocês estão fazendo, desamarrando esse jumentinho?" 6Os discípulos responderam como Jesus lhes tinha dito, e eles os deixaram ir. 7Trouxeram o jumentinho a Jesus, puseram sobre ele os seus mantos; e Jesus montou. 8Muitos estenderam seus mantos pelo caminho, outros espalharam ramos que haviam cortado nos campos. 9Os que iam adiante dele e os que o seguiam gritavam:
"Hosana!"
"Bendito é o que vem
em nome do Senhor!"
10"Bendito é o Reino vindouro de nosso pai Davi!"
"Hosana nas alturas!"

Já faz um bom tempo que temos lido diversas notícias sobre a queda de governantes e líderes considerados opressores em países do Oriente Médio, Próximo e na África. Tem havido um anseio por libertação política como meio de conquistar um mundo melhor.
Da mesma forma, os judeus da época de Jesus viviam sob o jugo do Império Romano e ansiavam por um mundo melhor.
Eles ansiavam pela vinda do Messias, o Cristo, o Rei descendente do rei Davi que libertaria o povo judeu da opressão e a substituiria por um reino eterno de felicidade. Percebemos isso no clamor/ exaltação a Jesus, hosana. A expressão que adquire um caráter de exaltação, também é encontrada no Sl 118.25, onde é traduzida como Salva-nos, Senhor! De fato, podemos perceber elementos em comum aos dois textos: Bendito é o que vem em nome do Senhor. Da casa do Senhor nós os abençoamos. O Senhor é Deus, e ele fez resplandecer sobre nós a sua luz. Juntem-se ao cortejo festivo, levando ramos até as pontas do altar (Sl 118.26-27).
Assim, eles viam Jesus como a resposta de Deus aos anseios expressos no Sl 118, que costumava ser entoado na celebração da Páscoa. Ele fala da resposta divina frente aos clamores do povo cercado por seus inimigos – Na minha angústia clamei ao Senhor; e o Senhor me respondeu, dando-me ampla liberdade. Todas as nações me cercaram, mas em nome do Senhor eu as derrotei. (v. 5,10) – uma situação bem parecida à do povo judeu na época de Jesus.
Então, vemos que este povo vivia oprimido pelo Império Romano, ansiando por um mundo melhor.
Não é isto que queremos hoje? Sentimo-nos oprimidos e ansiamos por um mundo melhor.
Apesar das quedas dos opressores citadas acima, a situação de alguns desses países ainda é no mínimo instável. Ainda que no Brasil não passemos por isso, somos, de todos os lados, afligidos com notícias de violência em escolas, corrupção, problemas no atendimento à saúde da população, dívidas, desemprego etc. Uma situação de tal desesperança que levou até mesmo um candidato, que antes seria considerado improvável, a vencer com o slogan “Pior do que está não fica”.
Foi observando um mundo assim, que a banda Jars of Clay nos leva a um mundo conturbado, suspirando em coro por um auxílio:
Como a música indica, por sermos incapazes de resolver tantos problemas, precisamos clamar por alguém suficientemente poderoso e com autoridade para mudar tudo o que está errado. Devemos reconhecê-lo, recebê-lo, celebrá-lo e obedecê-lo a fim de participarmos de tal situação. E por que não fazê-lo? Nós que nos sentimos oprimidos e ansiamos por um mundo melhor?
Para o nosso ânimo, no fim desse trecho de Marcos há um cortejo festivo; porque Jesus é o Rei esperado que vem trazendo um Reino de paz e alegria, como diz o Sl 118.24: Este é o dia em que o Senhor agiu; alegremo-nos e exultemos neste dia.
Quando aquele povo viu Jesus, o já reconhecido Messias, vindo num jumentinho em direção à Jerusalém, lembrou-se da promessa de Deus em Zc 9.9-10: Alegre-se muito, cidade de Sião! Exulte, Jerusalém! Eis que o seu rei vem a você, justo e vitorioso, humilde e montado num jumento, um jumentinho, cria de jumenta. Ele destruirá os carros de guerra de Efraim e os cavalos de Jerusalém, e os arcos de batalha serão quebrados. Ele proclamará paz às nações e dominará de um mar a outro, e do Eufrates até os confins da terra.
“É este o momento! O Rei vem! Ele libertará o nosso povo! O Império Romano será expulso! O sofrimento, a dor, as doenças e o pecado cessarão entre nós! Vêm a paz, a justiça e a alegria!”.
Com este sentimento, eles uniram-se a Jesus, indo em direção à Jerusalém ao redor dele; proclamando e clamando o favor divino, celebrando e festejando a vinda do Rei Jesus. Toda a passagem traz essa marca do senhorio de Jesus. A ordem dada aos discípulos (v.1-3) e a aceitação da resposta dos discípulos aos homens da aldeia (O Senhor precisa dele..., v. 3) demonstram tanto a expectativa messiânica, quanto a autoridade de Jesus. Sem isso, a cena perde o seu sentido.
De fato, o reinado e a salvação de Jesus ficam sem sentido se “retirarmos” Sua soberania. Porque ela é a condição sem a qual todas as maravilhas esperadas pelo povo judeu fracassariam. Pois como Jesus poderia mudar tudo o que traz sofrimento se não possuísse domínio, autoridade e poder sobre todas as coisas, nações, pessoas e detalhes da existência humana? Assim, é unicamente por ser Rei, é que Ele pode trazer o Seu Reino maravilhoso. Por isso, Jesus é alegremente recebido, num cortejo festivo, com ramos e vestes em seu caminho, tudo digno da vinda de um Rei tão aguardado!
Tudo isso ocorre, porque Jesus é o Rei esperado que vem trazendo um Reino de paz e alegria.
Se é assim, só Ele que possui autoridade sobre todas as coisas (Fp 2.9-11), pode nos trazer um mundo melhor. É com isso em mente, que alguns homens foram responsáveis por melhorias significativas no meio em que viveram. Apesar de atitudes condenadas por muitos, é inegável a contribuição de Calvino ao influenciar a política em Genebra: assistência social aos necessitados sem discriminação de nacionalidade; ajuda e cuidado com a saúde popular através de um programa de visita médica domiciliar; esforços do governo na capacitação profissional; combate ao desemprego com oferta de trabalho pelo governo; ênfase no amparo aos pobres; idosos e desamparados; limitação dos juros nos empréstimos; ataque frontal à escravidão; grande esforço na educação de todos etc. Além disso, poderíamos acrescentar os 25 anos do parlamentar William Wilberforce contra o tráfíco negreiro inglês e as lutas do Primeiro Ministro Abraham Kuyper, que disse não haver um só centímetro do universo sobre o qual Cristo não coloque Seu dedo e diga “meu”.
Esses homens agiram assim porque entendiam que o mundo só possui paz e felicidade quando Jesus o domina em todos os mínimos aspectos e que isso se concretiza na obediência de cada ser humano aos seus mandamentos e propósitos. Eles acreditavam que o senhorio de Jesus, longe de ser opressivo, traz liberdade, justiça, paz e alegria aos homens. E, por isso, mudaram o mundo ao seu redor, na tentativa de serem bons servos de Jesus Cristo.
Só quando Jesus reinar através de seus servos obedientes é que este mundo terá uma esperança real de progresso duradouro e significativo. O resultado desse domínio será a celebração eterna registrada em Ap 5.12,13: e cantavam em alta voz: "Digno é o Cordeiro que foi morto de receber poder, riqueza, sabedoria, força, honra, glória e louvor!". Que esta perspectiva nos leve a celebrar o reinado de Jesus, hoje, em obediência e louvor:
Todo o planeta geme debaixo da opressão, ansiando por um mundo melhor. Porém, só Jesus pode concedê-lo. Ele o faz através de seu povo que o obedece e celebra. Que essa obediência e celebração sejam vivificadas neste próximo domingo de ramos e durem eternamente!

quinta-feira, 22 de março de 2012

O caminho do discipulado 8 - Discípulos restaurados


Como foi dito no primeiro artigo desta série Marcos 8.22-10.52 trata da incapacidade dos discípulos de verem Jesus como Ele realmente é. Vimos que isso também os levou a uma incompreensão sobre o que Ele iria fazer (sobretudo na cruz), que tipo de Messias/ Rei Salvador Ele era e, consequentemente, para quem daria o Seu Reino. Também foi dito que este trecho (que muitos consideram central no evangelho de Marcos) começa e termina com a cura de cegos. Um em duas etapas, o outro em apenas uma.
Agora observaremos como este segundo cego vê Jesus e como se coloca diante dEle. Neste trecho, vários dos temas de Marcos 8.22-10.45 são retomados, apresentando a visão correta sobre Jesus, sua salvação (ou seu Reino) e a quem e a quê se destina.

Mc 10.46-52
46Então chegaram a Jericó. Quando Jesus e seus discípulos, juntamente com uma grande multidão, estavam saindo da cidade, o filho de Timeu, Bartimeu, que era cego, estava sentado à beira do caminho pedindo esmolas. 47Quando ouviu que era Jesus de Nazaré, começou a gritar: "Jesus, Filho de Davi, tem misericórdia de mim!"
48Muitos o repreendiam para que ficasse quieto, mas ele gritava ainda mais: "Filho de Davi, tem misericórdia de mim!"
49Jesus parou e disse: "Chamem-no". E chamaram o cego: "Ânimo! Levante-se! Ele o está chamando". 50Lançando sua capa para o lado, de um salto pôs-se em pé e dirigiu-se a Jesus.
51"O que você quer que eu lhe faça?", perguntou-lhe Jesus. O cego respondeu: "Mestre, eu quero ver!"
52"Vá", disse Jesus, "a sua fé o curou". Imediatamente ele recuperou a visão e seguiu Jesus pelo caminho.

Jesus entrara em Jericó. Jesus está saindo de Jericó. Aparentemente, não realizou nenhuma ação ali. Nenhum milagre, nenhum ensino. Ainda assim, uma grande multidão o está seguindo e, junto a ele, estão seus discípulos.
Neste momento, já perto de sair de Jericó, há um homem cego, à beira do caminho, pedindo esmolas. Ele ouve um tumulto. De alguma forma, ele ouve que é Jesus de Nazaré quem está passando. Possivelmente, ele já ouvira boatos sobre esse nazareno. Alguns talvez tenham dito que ele era o messias, o Filho (o Descendente) do famoso rei Davi, prometido por Deus há séculos para trazer o Reino perfeito de Deus ao povo judeu.
Quando descobre que Jesus está passando por ali, o cego começa a gritar, pedindo misericórdia. A multidão, pouco interessada no cego, julgando que Jesus também o ignorava, manda-o “calar a boca”. Nisso, ele começa a gritar cada vez mais a fim de ser ouvido por Jesus, pois ele sabe que esta é a sua chance de restauração.
Quando atentamos ao modo desesperado deste segundo cego (o primeiro está em Mc 8.22ss) gritar a Jesus e o modo como a multidão tenta silenciá-lo, podemos ficar espantados. Por que tanto desespero? Por que a multidão parece estar contra ele?
Para entendermos isso, é preciso lembrar o modo como a cegueira era vista na época. Não como uma deficiência ou resultado infeliz de um mero acidente, mas como consequência de um pecado grave. Se as traduções da NVI e da ARA estão corretas (ele “recuperou” a visão ou “tornou” a ver), isso quer dizer que nasceu com a visão perfeita, mas a perdeu em algum momento da vida. Aos olhos de todos, isso teria ocorrido como punição de Deus para algum pecado grave que ele, certamente, teria cometido.
Isso nos ajuda a percebemos algumas coisas. Primeiro, ele está perto da saída da cidade e não no centro desta. Embora a saída da cidade ofereça um local de transito de possíveis ajudadores, também demonstra sua marginalização social. Segundo, o nome Bartimeu significa “filho de Timeu”. A aparente redundância revela um ser sem nome próprio, como se não valesse a pena mencioná-lo. Terceiro, ele pede esmolas, como um excluído da economia local. Por último, ele está à beira do caminho (em contraste com as pessoas no caminho, v. 52). Deste modo, temos um homem completamente marginalizado, excluído da sociedade.
E o que é pior: excluído do Reino de Deus. Afinal de contas, o povo o via como alguém castigado por Deus. Isso fica claro na tentativa de silenciar o cego. Aos olhos deles, gente como Bartimeu seria escorraçada do Reino de Deus. Embora, na parte de Marcos em que este texto se encontra, sejam os discípulos os que normalmente impeçam as pessoas de chegarem-se a Jesus (como no caso das crianças; ver “O Caminho do discipulado 5”), seria estranho que, tendo presenciado outras curas semelhantes, eles agissem desse modo. Parece melhor supor que a multidão age assim, ou, pelo menos, muitos dos que a compunham.
Influenciados pelo judaísmo dos fariseus, esses muitos viam o Reino de Deus como algo dado aos judeus que o merecessem através da obediência da Lei de Deus. Assim, esse castigado, esse amaldiçoado por Deus, certamente não merecia participar deste Reino de pureza e retidão. Por isso, julgavam que Jesus não iria fazer nada por este cego.
Aos olhos deles, o cego estava excluído do Reino de Deus e da misericórdia de Jesus (o Cristo, o Messias), da mesma forma que estava da sociedade de Jericó.
De modo semelhante, a Igreja de hoje parece considerar muitos como excluídos do Reino de Deus e da misericórdia de Jesus Cristo.
Certa vez, ouvi um seminarista contar sobre seu irmão homossexual que buscou a Deus numa igreja. Quando o pastor percebeu que seu comportamento parecia um pouco efeminado escorraçou o jovem de lá, como se fosse um ser impuro que contaminaria a tudo e a todos daquela “comunidade”. Desde então, mesmo com todos os esforços do irmão seminarista e da mãe cristã, esse jovem não quer saber mais de Deus ou da igreja.
Será que isso é uma cena incomum? Será que não há outros grupos que embora não sejam rejeitados, também não são acolhidos e levados a Jesus? Poucos são os trabalhos em favor de prostitutas e encarcerados. Em contrapartida há muitos atendimentos a moradores de ruas e usuários de drogas. Mas será que isso não decorre de uma visão “vitimizadora” dessas pessoas? Ou será que são somente esses que estão perdidos e sem possibilidade de recuperação sem auxílio externo? Quão difícil não deve ser para um ex-presidiário ou uma ex-prostituta conseguir um emprego? A situação, infelizmente, muda quando o nosso amor deve ser dirigido a um pecador que não foi justificado pela opinião pública. Parece que nos esquecemos de que fomos chamados, quando éramos pecadores, merecedores à ira de Deus. Será que situações assim não têm auxiliado a formação de “igrejas” que negam o pecado, mas acolhem o pecador?
Não é o caso de anunciarmos o oposto disso; afirmar o pecado, mas também a graça de Deus?
Afirmar, de modo semelhante a Dostoiévski:  No último julgamento Cristo nos dirá: Vinde, vós também! Vinde, bêbados! Vinde, vacilantes! Vinde, filhos do opróbrio! E dir-nos-á: Seres vis, vós que sois à imagem da besta e trazem a sua marca, vinde porém da mesma forma, vós também!. E os sábios e prudentes dirão: Senhor, por que os acolhes? E ele dirá: Se os acolho, homens sábios, se os acolho, homens prudentes, é porque nenhum deles foi jamais julgado digno. E ele estenderá os seus braços, e cairemos a seus pés, e choraremos e soluçaremos, e então compreenderemos tudo, compreenderemos o evangelho da graça! Senhor, venha o teu reino!”
Não é o caso de nos achegarmos aos necessitados, dizendo: “Clame a Jesus, insistentemente. Busque-O com fé, pois Ele restaura a todos, sem distinção de sexo, raça, histórico ou pecados cometidos. Para que todos possam seguí-lo, como discípulos, em direção à Sua cruz e à Sua glória”?
Esse é o nosso dever, visto a Igreja de hoje considerar muitos como excluídos do Reino de Deus e da misericórdia de Jesus Cristo.
Pois não é isso que acontece neste momento, em que Jesus tem misericórdia de Bartimeu, o qual é restaurado à sociedade e ao Reino de Deus.
A partir do v. 49, percebemos que Jesus não estava surdo ao clamor de Bartimeu. Ele pára e ordena que o chamem. Nisto, a multidão, que antes repreendia Bartimeu, agora o anima, dizendo Coragem! Levante-se! Ele o está chamando (v.49). Ao ouvir a resposta tão esperada, ele levanta num salto, jogando de lado o manto de seus dias de mendicância e dirige-se a Jesus, que responde aos seus clamores com uma pergunta: “O que você quer que eu lhe faça?”. Ele responde: “Grande Mestre, eu quero ver!”
Jesus o cura e diz: “Vá! A sua fé o salvou”. Mas, ao contrário de ir ou de afastar-se, ele seguia Jesus no caminho.
Se, por um lado, o silêncio de Jesus parecia confirmar os preconceitos da multidão, por outro deu ocasião à manifestação da fé de Bartimeu. Não que a fé gere a cura, mas que é a condição para buscá-la, como diz Hb 11.6: Sem fé é impossível agradar a Deus, pois quem dele se aproxima precisa crer que ele existe e que recompensa aqueles que o buscam.
É neste sentido que devemos observar as falas de Bartimeu. Primeiro, ele chama Jesus de Filho de Davi, o que significa chamá-lo de Messias ou de Cristo, dizendo com isso que Jesus é o Rei que trará o Reino de Deus, no qual não há cegueira, marginalização ou desprezo. Além disso, chama-o de Rabôni (traduzido como Mestre). Segundo Joachim Jeremias, (na p. 248 da “Teologia do Novo Testamento”) ambos os títulos revelam que Bartimeu possui uma “grande confiança na bondade e compaixão de Jesus” – o que se percebe também no grito insistente por misericórdia. Ao contrário da multidão, este homem marginalizado crê que no Reino de Deus há um lugar para gente como ele, não por seus méritos ou por sua fé, mas pela misericórdia de Jesus, o qual não somente o introduz no Reino, mas o cura de todas as mazelas.
Resumindo, Bartimeu clama desesperadamente, levanta-se num salto quando chamado, lança fora seu manto, e pede diretamente pela cura, pois tem plena confiança de que Jesus é o Messias cheio de poder e autoridade sobre todas as coisas (incluindo sua situação), mas também o mestre misericordioso que se compadecerá dele.
Além disso, vemos aqui que a salvação não se restringe a um “salvar almas”, mas a mudar a realidade integral de Bartimeu; de modo que ele começa a viver aqui uma parte significativa do que viverá, quando o Reino de Deus estiver plenamente manifestado neste mundo. Isso pode ser dito sobre Bartimeu, pois a palavra utilizada no v. 52 pode ser traduzida tanto – num caso mais específico – por “curou” (NVI), quanto – de modo mais amplo – por salvou (ARA). Alguns teólogos (como John Stott) chamam essa realidade de Já e ainda não, pois Bartimeu já possui a cura, mas ainda não está livre da morte, do pecado, sofrimento etc.
Não bastasse isso, vemos que a salvação tem uma consequência. Embora Jesus diga Vá!, Bartimeu o seguia no caminho. Aquele que estava à beira do caminho, agora está no caminho, devolvido à sociedade humana, podendo voltar aos pais, procurar um emprego, constituir família, adentrar a sinagoga ou o templo. Mas ao invés de perseguir o que não tinha, ele “deixa tudo” de lado e passa a seguir Jesus, não como um dos Doze, mas certamente como um discípulo de Jesus.
Portanto toda a situação de Bartimeu é transformada, porque Jesus teve misericórdia de Bartimeu, o qual foi restaurado à sociedade e ao Reino de Deus, tornando-se discípulo de Jesus.
É isso que Jesus está fazendo hoje. Pois Jesus tem misericórdia dos marginalizados e desprezados, restaurando os excluídos e capacitando-os a seguí-lo.
Foi o que aconteceu com uma jovem, cuja história James Bryan Smith nos conta no seu livro, O maravilhoso e bom Deus, no capítulo intitulado Deus é amor. A moça solteira havia engravidado. O pai da criança não demonstrou nenhum interesse em ajudá-la. Apesar disso, a moça decidiu ter a criança e após algum tempo voltou à igreja de sua infância. Lá, achou que seria bom conversar com as jovens da igreja para alertá-las sobre as pressões e perigos em relação ao sexo antes do casamento. Ao perguntar ao pastor se poderia fazê-lo, este a proibiu, dizendo que temia que ela incomodasse as garotas. Além disso, algum tempo depois, negou-se a batizar a criança dela, pelo modo como se deu a gravidez. Por isso, ela deixou a igreja. Após algum tempo, procurou outra igreja, onde foi aceita e sua filha batizada. Hoje, as duas são missionárias na África.
Tal restauração só é possível mediante o poder e misericórdia de Jesus. Porque só Ele transforma usuários de drogas em pessoas sóbrias e responsáveis; homossexuais em pessoas com uma sexualidade que une “corpo e alma”; criminosos e pecadores em missionários da esperança e do amor de Deus. Só Ele traz esperança ao desiludido, força ao exausto, consolo ao amargurado, restauração a casos “sem solução”.
Pois Ele é o Rei soberano sobre todas as coisas; poderoso para restaurá-las integralmente. Seu Reino de justiça, santidade, perfeição, alegria, paz e amor está inundando este mundo tenebroso e doente, pouco a pouco, até substituí-lo por completo, como o sol, que dissipa as trevas ao amanhecer.
Pois Ele é misericordioso para todos quantos O buscam, confiando em Sua bondade e compaixão. Seu Reino é para todos (independente da lista ou da gravidade dos nossos pecados), e Ele começa já, trazendo cura e restauração significativas (ainda que, algumas vezes, parciais), as quais serão plenas no tempo determinado por Deus, quando todo o nosso sofrimento e pecado serão eliminados de uma vez por todas. Tudo isso foi conquistado na cruz, quando este maravilhoso Rei morreu em nosso lugar por sua misericórdia e ressuscitou dos mortos depois de três dias por seu poder, para dar a todos que confiam nEle está incomparável salvação.
Que nós possamos confiar nEle e que isto possa resultar em três coisas. Primeiro, num clamor insistente a Jesus, cheio de fé em Sua misericórdia e poder, sempre que estivermos necessitados. Segundo, que O sigamos como Seus discípulos, até a cruz se necessário (de modo bem diferente daqueles que buscam o favor de Jesus e O abandonam sem gratidão), deixando tudo o que desejamos, mas que não se compara Àquele que nos amou. Terceiro, numa ação integral em favor dos desprezados ao nosso redor, cuidando deles em tudo que necessitam (sendo nós usados como as mãos do próprio Jesus) e convidando-os a crerem em tão maravilhosa salvação.
Concluindo esta série, não deixemos que uma compreensão errada de Jesus e Seu Reino façam-nos trancar as pessoas do lado de fora do Reino de Deus. Mas, reconhecendo que Jesus tem misericórdia dos marginalizados e desprezados e restaura os excluídos, capacitando-os a seguí-lo, busquemos a Sua misericórdia, confiando que Ele agirá em nosso favor; tornemo-nos seguidores dEle e convidemos outros a fazerem o mesmo.

quarta-feira, 14 de março de 2012

O caminho do discipulado 7 - Discípulos-servos


Mc 10.35-45

35Nisso Tiago e João, filhos de Zebedeu, aproximaram-se dele e disseram: "Mestre, queremos que nos faças o que vamos te pedir". 36"O que vocês querem que eu lhes faça?", perguntou ele. 37Eles responderam: "Permite que, na tua glória, nos assentemos um à tua direita e o outro à tua esquerda".
38Disse-lhes Jesus: "Vocês não sabem o que estão pedindo. Podem vocês beber o cálice que eu estou bebendo ou ser batizados com o batismo com que estou sendo batizado?" 39"Podemos", responderam eles. Jesus lhes disse: "Vocês beberão o cálice que estou bebendo e serão batizados com o batismo com que estou sendo batizado; 40mas o assentar-se à minha direita ou à minha esquerda não cabe a mim conceder. Esses lugares pertencem àqueles para quem foram preparados".
41Quando os outros dez ouviram essas coisas, ficaram indignados com Tiago e João. 42Jesus os chamou e disse: "Vocês sabem que aqueles que são considerados governantes das nações as dominam, e as pessoas importantes exercem poder sobre elas. 43Não será assim entre vocês. Ao contrário, quem quiser tornar-se importante entre vocês deverá ser servo; 44e quem quiser ser o primeiro deverá ser escravo de todos. 45Pois nem mesmo o Filho do homem veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos".

Este texto traz um problema muito comum em todo grupo humano. Quem vai liderar? Ou, melhor dizendo, quem estará abaixo ou acima de mim? C.S. Lewis captou bem essa nossa característica quando fez da motivação básica que levou Edmundo a trair seus irmãos (em “O Leão, a feiticeira e o guarda-roupa”) o desejo de reinar sobre seus irmãos ao invés de ao lado deles. A cultura brasileira do profissional autônomo, que “não quer ter chefe” sobre si é totalmente incoerente com o caminho de Jesus. Mas, infelizmente, surge na igreja de tempos em tempos como uma erva daninha.
E surgiu entre os discípulos neste momento. Eles responderam: "Permite que, na tua glória, nos assentemos um à tua direita e o outro à tua esquerda" (v.37).
O pedido de Tiago e João era de tornarem-se corregentes com Jesus em Sua majestade. Eles queriam posições de autoridade, domínio e poder. Sobre quem? Sobre todos, inclusive sobre os outros dez apóstolos.
Não parece estranho? Os v.32-34 nos trazem o contexto deste trecho. Nele lemos que Jesus estava à frente, indo para Jerusalém. Os discípulos (entre eles, Tiago e João) estavam maravilhados, crendo que Jesus iria tomar a liderança do povo judeu como um Rei. Já os que os seguiam tinham medo, sem saber o que esperar. Nisso Jesus diz que será humilhado, açoitado e crucificado, mas que três dias depois ressuscitará. Que parte da humilhação, açoite e da cruz eles não entenderam? O próprio Jesus lhes diz que eles não sabiam o que estavam pedindo (v.38). E mesmo quando dizem que poderiam beber do cálice que Jesus estava bebendo e serem batizados com o batismo com o qual ele estava sendo batizado (em outras palavras, sua cruz), eles não conseguiram entender.
Pois eles pensavam em um Rei glorioso, marchando para Jerusalém a fim de libertá-la de forma sobrenatural do Império Romano e de toda corja de religiosos sem Deus que dominavam o povo através da religião. Quão intensamente eles beberiam o cálice quando Jesus foi preso e crucificado! Quão diferente seria sua resposta se tivessem entendido que as palavras de Jesus referiam-se à sua humilhação, sofrimento e morte.
Isso porque Jesus estava dizendo: “Vocês querem se semelhantes a mim em minha glória? Acaso podem ser semelhantes a mim no meu sofrimento?” A mesma pergunta é feita a todo candidato ao Reino de Jesus. A nossa resposta deve ter o mesmo sentimento da “resposta” de Paulo em Fp 3.10-11: Quero conhecer Cristo, o poder da sua ressurreição e a participação em seus sofrimentos, tornando-me como ele em sua morte para, de alguma forma, alcançar a ressurreição dentre os mortos. E vemos que Tiago e João terão a mesma reposta, como o próprio Jesus lhes diz (v.39). Isso se cumpriu em At 12.1,2 (Nessa ocasião, o rei Herodes prendeu alguns que pertenciam à igreja, com a intenção de maltratá-los, e mandou matar à espada Tiago, irmão de João.) e Ap 1.9 (Eu, João, irmão e companheiro de vocês no sofrimento, no Reino e na perseverança em Jesus, estava [preso] na ilha de Patmos por causa da palavra de Deus e do testemunho de Jesus.) . Mas, mesmo o fazendo, vemos que a liderança (o assentar-se ao lado de/ com Jesus) não se dá como consequência disto (v.40).
À medida que a situação se agravava, com a indignação dos outros dez discípulos (v.41), Jesus chama todos os discípulos e demonstra que as coisas deveriam ser bem diferentes: Jesus os chamou e disse: "Vocês sabem que aqueles que são considerados governantes das nações as dominam, e as pessoas importantes exercem poder sobre elas. Não será assim entre vocês. Ao contrário, quem quiser tornar-se importante entre vocês deverá ser servo; e quem quiser ser o primeiro deverá ser escravo de todos” (v.42-44). Eles não deveriam buscar posições de prestígio, ou domínio (aquilo que muitos chamam hoje de “carreira” ou “subir na vida”), mas justamente o contrário! O mais “absurdo” é que as posições estão tão invertidas que para ser meramente importante é necessário ser servo (palavra que originou o termo diácono), mas para ser o mais importante (o primeiro, o líder de todos) é necessário ser como quem se vendeu aos outros (todos eles!) como seu escravo!
O que Roberto Justus diria sobre isso?
O que muitos de nossos “pastores” e “líderes cristãos” diriam sobre isso?
Lembro-me de um senhor que queria ser pastor. Eu lhe perguntei o por quê. A resposta: “porque eu quero que, quando eu falar, as pessoas prestem atenção em mim... quero que elas me obedeçam”. De fato, muitos se tornam líderes e pastores nas igrejas como meio de conquistar uma melhor autoestima.
Além disso, usando métodos de liderança extraídos da área empresarial, ou militar, de forma acrítica (o que quer dizer que podemos usá-los se forem condizentes com os valores de Jesus), temos um modo de agir baseado em resultados e obediência irrestrita ao Big Brother. Delegar vira “pagar uma missão” (sem quaisquer possibilidades de contestação). Perfis de liderança passam a ser baseados em “autoridade” e carisma, ao invés de santidade, piedade e uma mente moldada pela Palavra de Deus. Avaliações de liderança são baseadas em metas e gráficos e não no amor. Ao desobediente, repreensões árduas e maldições no lugar do Deve corrigir com mansidão os que se lhe opõem, na esperança de que Deus lhes conceda o arrependimento, levando-os ao conhecimento da verdade (2Tm 2.25) e da mansidão de Moisés (Nm 12.3).
Onde está o serviço? Onde a escravidão a todos?
Porém, isto não quer dizer que o líder é um “serviço de atendimento ao cliente”, nem que ande com uma placa, com os dizeres: “o cliente tem sempre razão”; pois o próprio Jesus expulsou os mercadores do templo (Mc 11.12-19) e denunciou a hipocrisia dos fariseus e mestres da Lei (Mt 23). De fato, o servo de Deus é chamado a uma repreensão profética quando o povo se desvia. Mas não seremos capazes de a fazermos do modo adequado, enquanto não aprendermos a servirmos com amor aos nossos liderados.
Mas por que deveríamos agir assim? Pois nem mesmo o Filho do homem veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos (v.45). Se formos discípulos de Jesus, Ele deve ser o nosso modelo. O qual segundo Fp 2.5-11: Seja a atitude de vocês a mesma de Cristo Jesus, que, embora sendo Deus não considerou que o ser igual a Deus era algo a que devia apegar-se; mas esvaziou-se a si mesmo, vindo a ser servo tornando-se semelhante aos homens. E, sendo encontrado em forma humana, humilhou-se a si mesmo e foi obediente até a morte, e morte de cruz! Por isso Deus o exaltou à mais alta posição e lhe deu o nome que está acima de todo nome, para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho, nos céus, na terra e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para a glória de Deus Pai.
Assim, aqueles que querem ocupar os lugares à direita e à esquerda de Jesus devem se esvaziar e tomar a posição de escravos de todos, como Jesus fez. Pois Jesus nos serviu e deu a sua vida para nos resgatar, para nos comprar no mercado de escravos deste mundo perdido, para si, a fim de O servirmos como escravos de nossos irmãos. Pois diz Jesus: "Então o Rei dirá aos que estiverem à sua direita: 'Venham, benditos de meu Pai! Recebam como herança o Reino que lhes foi preparado desde a criação do mundo. Pois eu tive fome, e vocês me deram de comer; tive sede, e vocês me deram de beber; fui estrangeiro, e vocês me acolheram; necessitei de roupas, e vocês me vestiram; estive enfermo, e vocês cuidaram de mim; estive preso, e vocês me visitaram'. "Então os justos lhe responderão: 'Senhor, quando te vimos com fome e te demos de comer, ou com sede e te demos de beber? Quando te vimos como estrangeiro e te acolhemos, ou necessitado de roupas e te vestimos? Quando te vimos enfermo ou preso e fomos te visitar?'"O Rei responderá: 'Digo-lhes a verdade: O que vocês fizeram a algum dos meus menores irmãos, a mim o fizeram'” (Mt 25.34-40).
Jesus anseia por líderes-servos que estejam preocupados com o bem-estar de Seus menores irmãos. Que anseiam por vê-los crescer à semelhança de Jesus (Ef 4.13). Que os amem como uma mãe e, dessa forma, cuidem deles (como diria Francisco de Assis). Que tratem o povo de Deus como amigos e não servos (Jo 15.15).
Oh! Como é satisfatório ouvir da boca de alguém que você lidera ou pastoreia a palavra “amigo”! Como é mais fácil e suave repreender alguém que te escuta, não pelo seu cargo, mas pelo seu cuidado a ele! Como é prazeroso participar desta forma do crescimento destas pessoas que Deus nos confiou!
Mas como poderão estar bem, maduros em Jesus, desfrutando de intimidade com seus líderes, se estes os oprimem ou os tratam como servos, empregados ou meros recursos a serem gestados?

Que não sejamos assim. Que não apenas soframos por Jesus, ou deixemos coisas valiosas por Jesus. Mas assumamos o último lugar. O lugar do escravo, servindo todos, como Ele nos serviu.

quarta-feira, 7 de março de 2012

O caminho do discipulado 6 - Discipulado radical


Mc 10.17-31

17Quando Jesus ia saindo, um homem correu em sua direção e se pôs de joelhos diante dele e lhe perguntou: "Bom mestre, que farei para herdar a vida eterna?"
18Respondeu-lhe Jesus: "Por que você me chama bom? Ninguém é bom, a não ser um, que é Deus. 19Você conhece os mandamentos: 'Não matarás, não adulterarás, não furtarás, não darás falso testemunho, não enganarás ninguém, honra teu pai e tua mãe'”.
20E ele declarou: "Mestre, a tudo isso tenho obedecido desde a minha adolescência".
21Jesus olhou para ele e o amou. "Falta-lhe uma coisa", disse ele. "Vá, venda tudo o que você possui e dê o dinheiro aos pobres, e você terá um tesouro no céu. Depois, venha e siga-me."
22Diante disso ele ficou abatido e afastou-se triste, porque tinha muitas riquezas.
23Jesus olhou ao redor e disse aos seus discípulos: "Como é difícil aos ricos entrar no Reino de Deus!" 24Os discípulos ficaram admirados com essas palavras. Mas Jesus repetiu: "Filhos, como é difícil entrar no Reino de Deus! 25É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus".
26Os discípulos ficaram perplexos, e perguntavam uns aos outros: "Neste caso, quem pode ser salvo?"
27Jesus olhou para eles e respondeu: "Para o homem é impossível, mas para Deus não; todas as coisas são possíveis para Deus".
28Então Pedro começou a dizer-lhe: "Nós deixamos tudo para seguir-te".
29Respondeu Jesus: "Digo-lhes a verdade: Ninguém que tenha deixado casa, irmãos, irmãs, mãe, pai, filhos, ou campos, por causa de mim e do evangelho, 30deixará de receber cem vezes mais, já no tempo presente, casas, irmãos, irmãs, mães, filhos e campos, e com eles perseguição; e, na era futura, a vida eterna. 31Contudo, muitos primeiros serão últimos, e os últimos serão primeiros".

Atualmente, vivemos uma crise no discipulado de Jesus. Nossas igrejas estão cheias de pessoas que dizem a respeito de si mesmas: “Tudo entregarei” ou “Sou um seguidor de Jesus”, ou ainda “Amo Jesus mais do que tudo”. Apesar disso, o compromisso da maioria das pessoas com Jesus parece um tanto superficial: baixo compromisso financeiro e muitos gastos supérfluos, muito tempo nos shoppings e pouco nos cultos, conhecimento raso das escrituras e muitas conversas sobre novela e jogos de futebol, pouca oração e muitos “tweets”. E se há algum tipo de confrontação, diz-se logo: “onde está o amor?”, “por que ficam me cobrando?”; isso quando não se muda de igreja por qualquer motivo.
Essa superficialidade parece ocorrer com este homem. Ele parece exaltar Jesus ao prostrar-se diante dele; parece muito obediente a Deus (v.19, 20) e zeloso de aprender mais (v.17). De fato, ele parece mais devoto que muitos de nós. Mas para ele, Jesus é apenas um simples professor. Mesmo quando Jesus tenta corrigí-lo e fazê-lo entender que ele está falando com o próprio Deus (v.18), aquele homem ainda o vê como um simples professor (v.20).
Ora a diferença entre um professor e um mestre é tamanha. A um professor você faz perguntas. A um Deus você adora e serve. Um professor pode ser avaliado e acatado (caso NOS pareça que ele entende do assunto); já com Deus não há essa escolha. Ou seja, este homem procura Jesus como um professor e o desobedece (v.22), por ver nEle simplesmente isso. Caso o visse como o “bom Deus”, teria percebido que não possuía escolha.
Ao procurar Jesus como um professor, vê nEle alguém que tem algum segredo que lhe falta saber. Ele já é obediente aos mandamentos de Deus, pois os tem obedecido desde a juventude. Porém, crê que isso não é o suficiente e pergunta a Jesus qual é o segredo para se herdar a vida eterna.
E Jesus parece concordar com ele, pois diz Jesus olhou para ele e o amou. "Falta-lhe uma coisa", disse ele. "Vá, venda tudo o que você possui e dê o dinheiro aos pobres, e você terá um tesouro no céu. Depois, venha e siga-me." (v.21).
. No entanto, essa uma coisa vai contra tudo o que ele desejava ouvir. Assim, Diante disso ele ficou abatido e afastou-se triste, porque tinha muitas riquezas. (v.22).
Ele estava disposto a obedecer aos mandamentos. Parecia mesmo disposto a obedecer a Jesus. Mas sua disposição morria com as suas riquezas. A sua devoção religiosa era tão radical quanto lhe permitisse desfrutar das muitas riquezas e propriedades que tinha. Na verdade, seu amor às riquezas era maior que seu anseio de ter vida eterna. Preferia as riquezas que os “ladrões roubam e furtam” ao tesouro no céu, caso esse último fosse acompanhado de privações e sofrimentos. Por isso saiu triste (e não indiferente), pois seu coração fora desmascarado.
Como fica claro no trecho seguinte, não se trata de ser caridoso ou simplesmente de uma pretensa radicalidade nossa (como se o fato de decidirmos por entrarmos para um monastério resolvesse a questão). Mas, sim, da impossibilidade de conquistarmos o Reino por nós mesmos. Pois, no v. 24, Jesus expande essa impossibilidade a todos os homens. [Quanto à figura do camelo e da agulha, devemos entendê-lo como um animal e o instrumento de costura, visto a alusão a um certo nó (que seria chamado “camelo”) e a um certo buraco em muralhas (que seria chamado “agulha”) não possuírem evidências na cultura da época de Jesus que as apoiem]. Pois como bem diz Brennan Manning em “A assinatura de Jesus”, Jesus contentou-se com duas moedas no caso da viúva (Mc 12.41-44) e com metade dos bens aos pobres, no caso de Zaqueu (Lc 19.1-10). Assim a radicalidade do evangelho está no coração, motivações e desejos.
Por isso, toda nossa tentativa de herdar a vida eterna por nós mesmos é inútil. Pois no final das contas, como diz C.S. Lewis, “não somos melhores porque não queremos”. Não que seguir Jesus perfeitamente nos seja possível neste momento; mas sim que, ainda que fosse, nós não desejamos isso de verdade.
Não é à toa que nosso compromisso com Jesus é tão superficial. Porque, do jeito que está o nosso coração (ainda contaminado pelo pecado), não desejamos ir muito longe por Jesus. Talvez um culto semanal, 10% do nosso salário, ou algumas horas (poucas, por favor) dedicadas ao nosso próximo, mas não me peça mais que isso!
Temos uma espiritualidade de bênçãos terrenas e não de tesouros no céu. Oramos para conseguir um emprego ou namoro, mas falta-nos o anseio de clamar pelo Espírito Santo. Lemos a Bíblia procurando promessas reconfortantes, mas pulamos o chamado ao amor ilimitado. Ofertamos e honramos aos missionários, porque (no fundo) não queremos passar pelo que eles passam. Falta-nos a atitude de deixar todas as coisas para seguir a Jesus.
Mas que ninguém se engane. A quantidade ou a qualidade do “sacrifício” não importa, pois mesmo uma freira tem seus limites. O que importa é o coração. Por isso, sabiamente, Manning (no livro citado anteriormente) afirma que radicalidade é simplesmente obedecer a Jesus. Como nenhum de nós chega a tal ponto, Jesus diz que é impossível ao homem salvar-se.
Mesmo que deixemos tudo para O seguir (v.28), isso não nos traz mérito que nos faça herdar o Reino, segundo as palavras de Jesus no v.31, ecoadas em Mt 20.16, cujo contexto (Mt 20.1-16) deixa claro que o muito servir Jesus (ou abandonar por Jesus) não nos torna melhores aos seus olhos, visto que Lc 17.10 diz: Assim também vocês, quando tiverem feito tudo o que lhes for ordenado, devem dizer: 'Somos servos inúteis; apenas cumprimos o nosso dever'.
Os discípulos ficaram perplexos, e perguntavam uns aos outros: "Neste caso, quem pode ser salvo?"
Jesus olhou para eles e respondeu: "Para o homem é impossível, mas para Deus não; todas as coisas são possíveis para Deus". (v.26 e 27).
Considerando que o v.18 mostra que Jesus é o bom Deus, percebemos então que Jesus dá a vida eterna àqueles que o seguem. Aquilo que não podíamos fazer, Ele faz na cruz e na ressurreição dos mortos. Ele nos dá a vida eterna, nos faz entrar em Seu Reino. Como no caso das crianças [ver o artigo anterior], trata-se aqui de Sua exclusiva bondade.
O fato é que ninguém é digno de seguí-lo, adorá-lo, buscá-lo. Mas mesmo assim Ele chama pessoas como este homem a fazê-lo. E àqueles que deixam tudo e o seguem, Ele promete uma compensação incomparável nesta vida (v.29-30). A linguagem é metafórica. Não quer dizer que os discípulos terão muitas riquezas, haréns, ou uma creche. Mas que a compensação será tanta que o que foi abandonado será suprido com abundância: posses e riquezas, uma família.
Isso porque o Reino de Deus começa e se concretiza aqui. É um Reino “deste mundo”. E ele é tão excelente que quaisquer “sacrifícios” são pequenos, quando comparados com o seu substituto. Por ele vale a pena suportar a perda do teto, dos bens, o abandono ou separação do cônjuge e dos filhos.
E isso certamente acontecerá, pois o v.30 promete, entre as muitas bênçãos, a perseguição por causa de Jesus e do evangelho (v.29). Embora o segundo artigo desta série fale um pouco disto, gostaria de relembrar qual foi o sentimento dos apóstolos após terem sido açoitados por causa de Jesus e do evangelho: Os apóstolos saíram do Sinédrio, alegres por terem sido considerados dignos de serem humilhados por causa do Nome [de Jesus] (At 5.41). Eles certamente entenderam a perseguição como uma coisa natural ao discípulo de Jesus.
E no fim de tudo isto, a vida eterna. Aquilo que o homem rico quis, mas lhe era impossível. Aquilo pelo que os discípulos deixaram tudo e seguiram a Jesus. Aquilo pelo que sofreram. O tesouro no céu, a participação no Reino de Deus, o “cem vezes mais” pelo qual tudo vale a pena.
Aquilo que é impossível ao homem conquistar, Jesus dá àqueles que o seguem.
Por isso, John Bunyan considerou melhor perder tudo a fim de seguir Jesus.
Ele era um homem perdido. Vivia em todo tipo de vícios, xingando, mentindo e blasfemando o nome de Deus o tempo todo. Mas em 1655, esse pobre funileiro converteu-se. Era uma época conturbada. Havia um grupo chamado de puritanos que queria uma reforma religiosa na Inglaterra. E o governo decidiu que qualquer um que não tivesse uma licença do governo seria preso caso pregasse o evangelho. Obviamente, só tinha a tal licença quem fosse da igreja do Estado. Lá estava John Bunyan. Por ser um homem sem instrução e não fazer parte da igreja do Estado ele foi preso diversas vezes por pregar o evangelho sem licença do governo. Alguns acreditam que foi durante uma dessas prisões que ele escreveu “O peregrino”. Aquele homem se afligia muito por ficar separado de sua esposa e suas quatro filhas, uma delas cega, e pensava se não deveria abandonar o evangelho para cuidar delas que mal tinham como se sustentar.
Mas aquele homem perseverou até o fim e certa vez escreveu: “foi-me permitido ver que, se eu quisesse sofrer da forma certa, deveria, primeiro, passar uma sentença de morte sobre tudo que possa, apropriadamente, ser considerado uma coisa deste mundo, considerando como mortos eu mesmo, minha esposa, meus filhos, minha saúde, meu contentamento e tudo mais, como também considerar-me morto para eles. Em segundo lugar, viver em Deus, que é invisível, como Paulo disse em outro lugar; o caminho para não desfalecer é ‘fixar os olhos, não naquilo que se vê, pois o que se vê é transitório, mas o que não se vê é eterno’”.
Talvez seja por isso que, segundo um dos biógrafos dele, se você anunciasse na terça que John Bunyan pregaria na quarta-feira, veria 1200 pessoas se aglomerando às 7h da manhã para ouvi-lo pregar. Talvez seja por isso que John Owen, um dos maiores teólogos daquela época, quando questionado por um rei por que ele iria ver um simples funileiro pregar, respondeu o seguinte: “Eu trocaria voluntariamente todo o meu conhecimento pelo poder do funileiro de tocar os corações das pessoas”.
Talvez seja por isso que cerca de 3000 pessoas converteram-se numa das pregações de Pedro (At 2.41) e muitas igrejas foram iniciadas por Paulo, pois esses foram homens que deixaram tudo a fim de seguir Jesus, preferindo o tesouro no céu, o “cem vezes mais com perseguição”, o Reino de Deus, a vida eterna.
Reconheçamos de uma vez por todas que o discipulado de Jesus é mais radical que o que temos vivido. E que sua recompensa é maior do que as bênçãos que temos buscado.
Idealmente, o discípulo de Jesus sabe que não há em si mesmo um desejo bom que não venha de Deus. Sabe-se incapaz de conquistar o Reino. Ele aceita a graça generosa de Jesus. Valoriza o que é dado por Deus muito mais do que o que é ofertado pelos homens. Não mede esforços a fim de ser confundido com Jesus. Não troca o passageiro pelo eterno, nem o menos necessário pelo imprescindível. Ele tem os olhos fixos “no céu”, a fim de ter a consideração correta para com o que é visível.
Que o nosso coração seja desmascarado em nosso pouco apreço por Jesus, seu evangelho, Reino e vida. Não para que nos afastemos tristes, mas para que tomemos uma decisão que nos alegre na Sua vinda. Deixemos de lado nossas tentativas fúteis de merecermos o Reino e o recebamos dEle. Morramos para aquilo que nos aprisiona e sigamos a Jesus em direção à vida eterna.