quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Chamados para o discipulado 5 - o "apostolado" de todos nós


Neste último artigo sobre o chamado de Jesus aos discípulos percebemos, de forma mais plena, do que realmente estamos falando. Não há texto melhor em Marcos para encerrar esta série do que Mc 3.13-19, o qual diz:

13Depois, subiu ao monte e chamou os que ele mesmo quis, e vieram para junto dele. 14Então, designou doze [nomeando-os apóstolos] para estarem com ele e para os enviar a pregar 15e a exercer a autoridade de expelir demônios. 16Eis os doze que designou: Simão, a quem acrescentou o nome de Pedro; 17Tiago, filho de Zebedeu, e João, seu irmão, aos quais deu o nome de Boanerges, que quer dizer: filhos do trovão; 18André, Filipe, Bartolomeu, Mateus, Tomé, Tiago, filho de Alfeu, Tadeu, Simão, o Zelote, 19e Judas Iscariotes, que foi quem o traiu.

O texto anterior relata que a esta altura, Jesus recebe renome e procura incomparáveis. Hoje em dia, diríamos que Ele tornou-se requisitado ou uma celebridade, não porque buscasse isso, mas por ser extremamente relevante àquelas pessoas. Mc 3.7-10 diz que Jesus retirou-se com seus discípulos para o mar, e uma grande multidão vinda da Galileia o seguia (7). E não apenas pessoas desta região, mas de muitas outras, de modo que Jesus não possuía fama apenas em sua área de atuação, mas em toda a região circunvizinha, pois Quando ouviram a respeito de tudo o que ele estava fazendo, muitas pessoas procedentes da Judeia, de Jerusalém, da Idumeia, das regiões do outro lado do Jordão e dos arredores de Tiro e de Sidom foram atrás dele (8). A multidão era tão grande e tão fervorosa que providências tiveram de ser tomadas a fim de que Jesus pudesse continuar a agir em favor delas e ensiná-las com alguma “tranquilidade”: Por causa da multidão, ele disse aos discípulos que lhe preparassem um pequeno barco, para evitar que o comprimissem. Pois ele havia curado a muitos, de modo que os que sofriam de doenças ficavam se empurrando para conseguir tocar nele (9 e 10).
Então é chegado o momento de separar alguns a fim de melhor ensiná-los (ou discipulado, se preferir) e de prepará-los para auxiliá-lo em sua obra e “tomar” o bastão após Sua volta ao Pai. O ato de subir ao monte e chamar as pessoas a si revela esta separação (e podemos imaginá-las saindo da multidão e juntando-se a ele, mais ou menos como acontecia quando dois de nós escolhiam seus times e os escolhidos iam dividindo-se em dois grupos distintos...). Separados do mundo, da sociedade, da multidão, da massa, do rebanho (para usar uma palavra de Kierkegaard), para uma vida completamente diferente do rebanho da sociedade, como veremos mais à frente. Esta separação atinge seu clímax neste texto quando os três principais discípulos recebem novos nomes, designando que não pertencem mais ao mundo, a suas famílias e patrões, mas a Jesus (pois nomear alguém era um ato de posse).
Os separados são aqueles que ele mesmo quis. Não há mérito profissional ou pessoal (como vimos no segundo e quarto artigos da série). Não é para quem quer, nem para quem pode. É para aqueles que Ele escolhe, e não podemos nos juntar a Ele sem que Ele tenha escolhido e nos chamado em primeiro lugar. Toda reação nossa é derivada da operação do Seu Espírito em nós, que fomos escolhidos, chamados e separados.
São designados 12. Alguns manuscritos no grego acrescentam que estes doze foram nomeados apóstolos (por não serem todos os manuscritos que trazem este trecho, ele está entre colchetes no v.14). O que é o apóstolo? Basicamente é um embaixador, enviado como se fosse a própria pessoa que o enviou (como nos diz John Stott, em seu livro “O perfil do pregador”). Isto designa sua autoridade doutrinária, o que eles pregam é – e deve ser – aquilo que o próprio Cristo prega: o evangelho do Reino. Este título é relegado somente àqueles que foram pessoalmente chamados por Jesus e que testemunharam pessoalmente de sua pessoa (como na primeira carta de João, capítulo 1º, versículos 1-3). Isso ocorreu com Matias, em Atos 1. 21 a 22, porque correspondia às exigências necessárias: É necessário, pois, que, dos homens que nos acompanharam todo o tempo que o Senhor Jesus andou entre nós, começando no batismo de João, até ao dia em que dentre nós foi levado às alturas, um destes se torne testemunha conosco da sua ressurreição. O apóstolo Paulo, chamado “fora do tempo”, foi chamado pessoalmente por Jesus no caminho de Damasco (At 9) e conheceu Jesus em pessoalmente em Sua glória, quando foi elevado ao “terceiro céu” (2ª carta de Paulo aos Coríntios, cap. 12). Deste modo, os apóstolos de Jesus morreram no primeiro século d.C.; os atuais “apóstolos” brasileiros são falsos-apóstolos, indignos de nossa atenção.
 No entanto, todos temos algo em comum com esses apóstolos, ainda que num grau menor, já que ser apóstolo é viver o que se segue no texto (estar com Jesus, pregar seu evangelho e ter autoridade espiritual), coisas que não podemos vivenciar de modo tão pleno quantos os apóstolos, mas que é parcialmente nos dado pelo Senhor.
Somos, em primeiro lugar, designados para estarem com ele, Jesus. Como vimos acima, essa foi a exigência em At 1.21,22. Assim, só pode representar/ proclamar Jesus quem o conhece, quem esteve com ele. Em nosso caso, só o pode sê-lo quem foi salvo por Ele na cruz, teve seus pecados perdoados, foi livre da condenação do inferno, foi ressurreto e reconciliado por Jesus e agora vive nele e tem o Espírito Santo vivendo dentro de si. Estar com Jesus é a essência do discipulado. Embora alguns tentem resumir isso ao relacionamento íntimo com Jesus, prefiro concordar com a visão de Bonhoeffer, na segunda parte de seu “Discipulado”, e dizer que estar em Jesus, para nós, é fazer parte de seu corpo (a Igreja), sua vida, sua morte e ressurreição. Aquele que crê em Jesus torna-se um com Ele em sua morte na cruz (libertando-se do pecado) e um na sua ressurreição (tornando-se participante de Seu Reino, tendo vida eterna). Essa união mística está além de minha capacidade de compreensão e por isso recomendo a você, leitor, que a aceite pela fé. De fato, este tipo de união tem a ver com o que vimos sobre o chamado de Jesus nos artigos anteriores desta série, quando vimos que seguir Jesus é acompanhá-lo por onde quer que ele vá e fazer o quer que ele faça. Isso só nos é possível porque estamos nele e Ele passa a viver sua vida em nós. Ou seja, não depende de nós, mas dele em nós através do Espírito Santo (que habita em todo discípulo de Jesus a fim de produzir a vida de Jesus na vida do discípulo).
Isso nos levará a pregar e a exercer a autoridade de expelir demônios. As duas coisas estão interligadas pela expressão traduzida como para os enviar a. Pois a pregação aqui é uma proclamação da vitória de Jesus sobre o pecado e o reino de Satanás e a consequente invasão e implantação de Seu Reino de justiça, santidade, amor, paz e alegria. Quando a gestão antiga só trouxe desgraça, a nova gestão deve acabar com tudo e recomeçar “do zero”. Como isso já foi apresentado de alguma forma no primeiro e terceiro artigos desta série, atenho-me aqui a dizer que proclamação e manifestação do Reino de Jesus não podem estar separados. Proclamar algo que nem sequer iniciou-se se assemelha à propaganda enganosa (como acontece muitas vezes no mercado de imóveis com seus prédios, quando muitas vezes ou não começam ou não terminam de ser construídos); manifestar o Reino sem proclamá-lo leva à confusão e à inutilidade (é como registrar a patente de uma invenção sem dar o nome do inventor).
O problema da Igreja é justamente separar as duas coisas. Proclamamos a salvação e o Reino de Deus, mas continuamos em nossos pecados ou não transformamos positivamente o local onde estamos, vivemos, estudamos e trabalhamos. Isso leva as pessoas “de fora” a julgarem a fé cristã irrelevante, inútil mesmo. Por que eu faria parte de algo que não me liberta do pecado, dos meus vícios? Que não faz de mim, da minha família e de meu mundo melhores? Por outro lado, muitas vezes vivemos e agimos no mundo de acordo com o Reino e não proclamamos. Assim, as pessoas julgam que tudo se deve a nós, a uma preocupação com o meio ambiente (afinal, está isso na moda), a uma boa formação familiar, universitária ou religiosa, enfim, a algo que depende de nós, que está em nosso poder escolher se nos interessa ou não e imitar o que convém.
Mas proclamação e autoridade interligam-se porque representamos alguém que é o único (total e exclusivamente) responsável por este Reino e salvação. Tais coisas não partem de nós. Ou somos enviados a fazê-las ou não o representamos. Com qual autoridade o faríamos? A nossa? Não é necessário que o novo Rei seja rei de fato? Não é necessário ter-se autoridade sobre os homens para chamá-los à obediência ao desígnio de Jesus. Só Jesus pode fazê-lo, pois após morrer na cruz e ressuscitar dos mortos, foi exaltado por Deus à mais alta posição, recebendo autoridade sobre todas as coisas, para que ao nome de Jesus se dobre todo o joelho, nos céus, na terra e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para a glória de Deus Pai (Fp 2.9-11), pois só Jesus foi morto, e com seu sangue comprou para Deus gente de toda tribo, povo, língua e nação. Constituindo-os reino e sacerdotes para o nosso Deus, e eles reinarão sobre a terra (Apocalipse 5.9,10). Esse Reino já começou e será plenamente estabelecido por Jesus quando este voltar; a nós, chamados a sermos seus discípulos, cabe proclamar e manifestar essa realidade. Para isso recebemos de sua autoridade para vencermos e subjugarmos o reino de Satanás, com sua injustiça, violência, perversidade, corrupção e indiferença ao próximo. Se as coisas parecem estar pendendo para o lado inimigo, isso é mera oportunidade para Cristo demonstrar de forma mais maravilhosa e poderosa sua autoridade, Reino e salvação quando voltar para reinar de uma vez por todas.
Este chamado não encontra limites. Todos são chamados: pescadores como Simão Pedro, André, Tiago e João; cobradores de impostos corruptos e considerados traidores do povo como Levi (chamado de Mateus aqui); zelotes (guerrilheiros ultranacionalistas) como Simão; traidores como Judas...
Mas uma vez chamados, já não são os mesmos: o inconstante e impulsivo Simão recebe o nome de Pedro (que quer dizer pedra/ rocha), os filhos de Zebedeu recebem o nome de “Filhos do Trovão”. Uma mudança deve acontecer, os discípulos de Jesus, recebem dele o poder de o imitarem (é a vida de Jesus em nós, explicada acima).
Mas o que devemos fazer? Quando chamados, os discípulos vieram para junto dele. Eles responderam positivamente. E o fizeram de uma vez por todas. O verbo no tempo aoristo significa, no grego, que o ato de vir foi concluído de uma vez. Com exceção de Judas (o qual estava destinado a trair Jesus, conforme Jo 17.12), todos permanecerão discípulos de Jesus até a morte e morrerão justamente por crerem, proclamarem e manifestarem que são discípulos de Jesus, que Ele é Senhor e Deus.
Assim deve ser a nossa resposta, devemos dizer sim ao chamado de Jesus de uma vez por todas. Negar isso é negar sua salvação e nos condenar ao inferno eterno, com “fogo, choro e ranger de dentes” (sofrimento indizível e eterno), pois é não participar do Reino de Jesus (resumindo, é viver plenamente no Reino de Satanás); dizer sim é receber de Jesus o que já foi dito até aqui ao longo desta série (salvação, perdão, Reino e discipulado), como também recebê-lo como diz Pedro, nos v.8,9 do primeiro capítulo de sua primeira carta, quando afirma que mesmo não o [Jesus] tendo visto, vocês o amam; e apesar de não o verem agora, creem nele e exultam com alegria indizível e gloriosa, pois vocês estão alcançando o alvo da sua fé, a salvação das suas almas. Negue e terá sofrimento indizível e eterno, venha e receba alegria indizível e eterna. Não é horrível a consequência da negação? Não é maravilhosa a consequência de vir como discípulo de Jesus?
Jesus nos chama a seguí-lo, a estarmos com Ele e nEle (recebendo sua salvação e vida em nós), a proclamá-lo e manifestar o Seu Reino, através de uma autoridade que vem de Jesus em nós. Você vem?

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Chamados par o discipulado 4 - Jesus chama pecadores


No artigo anterior desta série, vimos que a oração é o meio de Jesus, e o nosso, para mantermos o caminho certo no discipulado. Pois essa nos coloca na presença de Deus, que nos orienta para o que Ele deseja que façamos. No entanto, não basta apenas saber o quê Jesus veio fazer, mas também a quem. Neste texto vemos Jesus chamando discípulos ainda mais desqualificados, pelo menos aos olhos da sociedade, que Pedro, André, Tiago e João (Mc 1.16-20). Pois Jesus está chamando “pecadores” para serem seus discípulos.
Mc 2.13-17:
13De novo, saiu Jesus para junto do mar, e toda a multidão vinha ao seu encontro, e ele os ensinava. 14Quando ia passando, viu a Levi, filho de Alfeu, sentado na coletoria e disse-lhe: Segue-me! Ele se levantou e o seguiu.
15Achando-se Jesus à mesa na casa de Levi, estavam juntamente com ele e com seus discípulos muitos publicanos e pecadores; porque estes eram em grande número e também o seguiam. 16Os escribas dos fariseus, vendo-o comer em companhia dos pecadores e publicanos, perguntavam aos discípulos dele: Por que come e bebe ele com os publicanos e pecadores? 17Tendo Jesus ouvido isto, respondeu-lhes: Os sãos não precisam de médico, e sim os doentes; não vim chamar justos, e sim pecadores.
A cena inicia-se de modo comum ao evangelho: Jesus sai, a multidão aproxima-se e Ele começa a ensiná-los. Em algum momento do seu “passeio”, Jesus vê Levi (chamado de Mateus no evangelho de Mateus 9.9) sentado na coletoria de impostos, Jesus o chama e ele O segue.
À primeira vista, nada de novo. Para nós. Um judeu da época poderia escandalizar-se ao ver isso. Isso porque os coletores de impostos eram vistos como traidores da nação judaica, porque eles colhiam impostos para o Império Romano e, além disso, muitos cobravam além do que deviam para encher os próprios bolsos. Por isso, em Lc 3, quando os cobradores de impostos (também conhecidos como publicanos) querem saber o que devem fazer para não serem condenados por Deus, João Batista lhes responde: “Não cobrem nada além do que lhes foi estipulado” (Lc 3. 13). Pela mesma razão, o recém-convertido Zaqueu, um cobrador de impostos, para revelar seu arrependimento afirma: “e se de alguém extorqui alguma coisa, devolverei quatro vezes mais” (Lc 19.8). Além disso, Jesus o chamou a segui-lo. Esse foi o mesmo chamado que fez aos quatro pescadores para segui-lo como seus discípulos.
Assim, a situação começa a tomar outro rumo. Mas ela torna-se ainda mais incômoda, pelo menos para os escribas dos fariseus (v.16) [os escribas eram pessoas dedicadas a copiar a Lei de Moisés e ensiná-la ao povo; os fariseus eram uma facção político-religiosa que se dedicava a um cumprimento rigoroso dessa Lei e que desprezava os praticantes menos rigorosos como inferiores e impuros diante de Deus]. Pois vemos que Jesus não apenas chama Levi para segui-lo como vai a casa dele para uma refeição. O texto grego diz que Jesus estava reclinado à mesa, o que significa uma grande refeição, com muitos convidados, como numa festa. As portas estariam abertas o que permitiam, muitas vezes, que convidados indesejados aparecessem (como a mulher “pecadora” na casa do fariseu em Lc 7.36-50). Neste caso os escribas fariseus entraram, os quais provavelmente estavam apenas como espectadores, visto o seu escândalo expresso na pergunta feita aos discípulos de Jesus, no v.16 do texto que estamos lendo.
Esse escândalo ocorre porque o ato de comer uma refeição junto com alguém tinha, naquela cultura, o significado de uma grande intimidade entre duas ou mais pessoas. Se fosse hoje, os escribas olhariam para Jesus e diriam: “Diga-me com quem andas e eu te direi quem és...”. Ainda mais se prestarmos atenção ao v.15, que diz: estavam juntamente com ele [Jesus] e com seus discípulos muitos publicanos e pecadores; porque estes eram em grande número e também o seguiam [seguiam Jesus].
Resumindo: Jesus tinha uma grande intimidade com esse povo sujo, indecente, pecador. Cobradores de impostos corruptos, ladrões, prostitutas etc. Eles o seguiam, comiam com Ele e, muitas vezes, haviam sido chamados por Ele.
Aqui há um contraste entre a multidão que se aproximou de Jesus e foi ensinada por Ele (que pode ser posta junto aos escribas e fariseus) e os pecadores que seguem Jesus. Bonhoeffer diz que o chamado de Jesus nos separa do mundo. De modo interessante, aqui são os pecadores que são separados, por um lado, da grande multidão que deseja o ensino de Jesus e, por outro, dos escribas dos fariseus que se consideram superiores aos que não são tão rigorosos quanto eles na prática da Lei de Moisés. Ou seja, não se trata de virtuosos separando-se de um mundo em decadência, mas de pecadores sendo separados de um mundo aparentemente religioso, devoto e, por que não dizer, aparentemente santo.
De fato, as palavras finais de Jesus, no v.17, Os sãos não precisam de médico, e sim os doentes; não vim chamar justos, e sim pecadores, carregam essa separação. Pois a tradução “Os sãos” ocorre aqui como contraste a “os doentes”. A palavra traduzida como “sãos” poderia ser traduzida como “os capazes”, porque é com esse sentido que essa palavra é traduzida em outros textos do evangelho de Marcos: Voltando, achou-os dormindo; e disse a Pedro: Simão, tu dormes? Não pudeste vigiar nem uma hora? (Mc 14.37); e este, onde quer que o apanha, lança-o por terra, e ele espuma, rilha os dentes e vai definhando. Roguei a teus discípulos que o expelissem, e eles não puderam. (Mc 9.18); porque, tendo sido muitas vezes preso com grilhões e cadeias, as cadeias foram quebradas por ele, e os grilhões, despedaçados. E ninguém podia subjugá-lo. (Mc 5.4).
O que Jesus está dizendo é que não veio chamar os capazes de salvar-se ou de seguirem um caminho de fé, espiritualidade, ou rigor religioso. Jesus não veio chamar uma grande multidão que ouve seus ensinos e depois volta para o seu dia-a-dia. Jesus veio chamar pecadores; pessoas doentes de uma doença mortal (como disse Kierkegaard) para a qual não há cura, espiritualidade, ritual de purificação, religião ou terapia baseada na capacidade do homem. Para fazer parte da turma de Jesus, você tem que reconhecer-se como doente, incapaz, pecador. O que significa que aos olhos de Deus você se encaixa na descrição do apóstolo Paulo, em sua carta aos Efésios, cap. 2, v.1-3: Vocês estavam mortos em suas transgressões e pecados nos quais costumavam viver, quando seguiam a presente ordem deste mundo e o príncipe do poder do ar [Satanás] e o espírito que agora está atuando nos que vivem na desobediência [a Deus]. Anteriormente, todos nós também vivíamos entre eles, satisfazendo as vontades da nossa carne, seguindo os seus desejos e pensamentos. Como os outros, éramos por natureza merecedores da ira [o castigo de Deus].
É a este tipo de pessoa que o chamado de Jesus, o Filho de Deus, é feito. Um chamado para a intimidade com Jesus, para o discipulado (o seguir Jesus e tornar-se como Ele, possuindo o seu caráter e vida).
Em outras palavras, seguir Jesus, não é para os capazes, os religiosos, os espirituais, ou aqueles em processo de evolução (seja moral ou espiritual). Seguir Jesus é para pecadores. Em qual grupo você se encontra? Aquele que não se reconhece como pecador incapaz de salvar-se, como merecedor do castigo de Deus, não pode seguir Jesus. Pois Jesus veio para os doentes. Sua cura para a doença do pecado encontra-se na cruz, na qual morreu no lugar de seus seguidores, pagando por seus pecados, a fim de que eles tenham vida eterna com Ele, que ressuscitou dentre os mortos. Deste modo os discípulos de Jesus são separados do mundo da religião, espiritualidade e terapia humanas para um caminho de salvação e perdão de Deus; de discipulado e intimidade com Deus.
Como disse Brennan Manning, “todos somos mendigos, os cristãos são simplesmente mendigos que sabem onde encontrar pão”. São mendigos que comeram do pão e chamam outros mendigos (pecadores) para comerem com eles. Pois aos discípulos de Jesus é dada a tarefa de pregar o evangelho (o chamado ao discipulado e intimidade com Jesus) a todas as pessoas em todo o mundo (Mc 16.15) [em todas as casas, ruas, vizinhanças, escolas, locais de trabalho, em todas as nações e povos, línguas, dialetos e sotaques], pois todos somos pecadores, merecedores da ira e necessitados da cura, salvação e perdão que só podem ser encontradas em Jesus, o Filho de Deus, que morreu por nós na cruz e ressuscitou para nos dar vida eterna. Porém isso nos leva a um caminho de aproximação. Pois se seguimos Jesus, nos afastamos do que Ele se afasta e nos aproximamos de quem Ele se aproxima: os pecadores. Com quem comemos? Com quem temos intimidade? Com os capazes e bem-sucedidos moral e espiritualmente ou com os pecadores (“corruptos, ladrões e prostitutas”) de nosso mundo cotidiano? Devemos ter o cuidado de não sermos envergonhados diante das palavras de Lutero, que disse: “Aquele que só quer viver entre crentes, é inimigo do evangelho”.
Assim, o chamado de Jesus é separação. Não a separação realizada pelos melhores e santos, dos capazes e merecedores da salvação. Mas a realizada por Deus, através de Jesus na cruz e na ressurreição, em favor de pecadores impuros e doentes que seguem Jesus, como seus discípulos, que se tornam cada vez mais pessoas como Ele. Também é um chamado de aproximação dos pecadores e doentes ao nosso redor (e longe também) para dizer a eles: “eu sei onde há pão!”.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Chamados para o discipulado 3


No evangelho de Marcos, há três textos que nos ensinam diretamente sobre o chamado de Jesus ao discipulado: o chamado de João, Tiago, Pedro e André (1.16-20); o de Levi e dos pecadores (2.13-17) e o dos Doze (3.13-19). Porém, esses textos estão separados (ou deveríamos dizer conectados) por outros textos que revelam a autoridade de Jesus sobre as doenças (a cura da sogra de Pedro), os demônios (na sinagoga de Cafarnaum), a impureza associada ao pecado (leproso), os pecados (o paralítico levado na maca por seus quatro amigos), o modo de compreender-se e praticar-se a Lei de Moisés (o jejum e o sábado) e as pessoas, de quaisquer (todas as) nacionalidades (Judeia, Jerusalém, Idumeia, redondezas do rio Jordão, Tiro e de Sidom).
Ora, por que isso? Porque mais importante do que como seguir é quem seguir. Ainda mais, considerando que seguir é imitar (veja o segundo texto dessa série). Como podemos seguir Jesus se não o conhecemos? No entanto, tratar da soberania de Jesus em cada caso ficaria fora de propósito nessa série e será mais bem abordado em outra oportunidade. Por enquanto basta sabermos que Jesus é Deus, é Rei soberano sobre todas as coisas e todos têm de sujeitar-se a Ele. No entanto, algo chama a atenção nesses trechos. Jesus ora. Jesus afirma que possui um propósito, uma missão.
Como imitadores de Jesus, os discípulos (leitores de Marcos) são convocados a viver sob uma nova direção. Caso não reconheçam isto, não poderão seguir Jesus. Caso nós não reconheçamos isto não podemos entender para o quê ou em que condição nós fomos chamados. Assim, antes de prosseguirmos a série, precisamos de algo que nos ajude a redefinir a nossa caminhada sempre que surge o risco de um desvio. Como veremos a oração é o meio de Jesus, e o nosso, para mantermos o caminho certo.

De madrugada, quando ainda estava escuro, Jesus levantou-se, saiu de casa e foi para um lugar deserto, onde ficou orando. Simão e seus companheiros foram procurá-lo e, ao encontrá-lo, disseram: "Todos estão te procurando!" Jesus respondeu: "Vamos para outro lugar, para os povoados vizinhos, para que também lá eu pregue. Foi para isso que eu vim". Então ele percorreu toda a Galileia, pregando nas sinagogas e expulsando os demônios. (Mc 1.35-39)

O que estava acontecendo? Jesus levara seus novos discípulos para a sinagoga em Cafarnaum. Lá, enquanto ensinava, um demônio manifesta-se, mas é repreendido por Jesus. Esta notícia espalhara-se por toda aquela região. Além disso, Jesus curara a sogra de Pedro, a qual estava de cama. Como consequência dessas coisas, ao anoitecer, depois do pôr-do-sol, o povo levou a Jesus todos os doentes e endemonhiados. Toda a cidade se reuniu à porta da casa e Jesus curou muitos que sofriam de várias doenças. Também expulsou muitos demônios...(Mc 1.32-34).
Com isso, surgiu um risco. Jesus viera para ensiná-los, para proclamar o Reino de Deus e a fé e o arrependimento necessários para participar deste Reino (Mc 1.15). Porém, o povo não vinha, ao anoitecer, para ouvir Suas boas novas, mas para que Ele as aliviasse de seus sofrimentos. O povo estava reduzindo Jesus a um curandeiro, dando maior importância ao que Ele poderia fazer por eles do que com o chamado ao Seu Reino. Por isso, no dia seguinte, Simão e seus companheiros saem à procura de Jesus, pois todos o estão procurando; não o Messias, não profeta, mas o curandeiro. Isso fica evidente quando consideramos a correção de Jesus quando diz: Foi para isso que eu vim.
Porque, de fato, há um risco de reduzirmos Jesus àquele que pode satisfazer-nos. Não que o busquemos sempre com caprichos ou desejos consumistas. Muitas vezes, como neste trecho, as necessidades são reais e trazem-nos enorme sofrimento; nesse momento o que nos move é o desespero, a dor, a aflição. Diante disso, Jesus não nos rejeita. Ele curou enfermos e endemonhiados antes e logo depois deste trecho do evangelho. O problema está em reduzirmos Jesus, a vida cristã e a missão da Igreja a apenas isso; um SUS de Deus.
Pois não foi para isso que Jesus veio e não foi para isso que nos chama a Ele e nos envia ao mundo. É o próprio Jesus que nos mostra o caminho certo com suas palavras e atos: Jesus respondeu: "Vamos para outro lugar, para os povoados vizinhos, para que também lá eu pregue. Foi para isso que eu vim". Então ele percorreu toda a Galileia, pregando nas sinagogas e expulsando os demônios.
A pregação do evangelho que está resumido em Mc 1.15 (e que foi explanado no primeiro artigo desta série), é atitude central de Jesus em seu ministério (Mc 1.14-15, 21, 39; 2.2, 13; 4; 6.2, 6, 12, 34 etc). Dos textos listados o último é de especial revelação para nós, pois ele traz a compaixão de Jesus ligada ao seu ensino. A multiplicação dos pães aparece depois e como uma resposta à “intercessão” dos discípulos. Isto concorda com a parte inicial de Marcos, na qual as curas de doentes e endemonhiados aparecem sempre como um sinal da autoridade de Jesus ou da manifestação do seu Reino de Deus, que substitui o reino de Satanás. Por isso a ligação sempre frequente em Marcos entre a pregação e a expulsão de demônios (e os demais milagres). Assim, o leproso é enviado como testemunha de Jesus (1.44), o paralítico serve de testemunha da autoridade de Jesus de perdoar pecados e o “ex-endemonhiado” é enviado aos seus como testemunha de Jesus e seu Reino (Mc 5.19-20). Dessa forma, os milagres são tanto a evidência da autoridade de Jesus, quanto as primeiras “amostras” do Reino que Ele proclamava.
Portanto, a discussão entre qual deve ser a missão da igreja, ou como deve ser sua inserção, fica sem sentido. A missão é integral, devendo atingir todas as necessidades do ser humano, mas deve ser essencialmente evangelística, pois foi para isso que nosso Senhor veio.
No entanto, o que impediu essa redução de Jesus a um mero curandeiro? O que lhe permitiu voltar-se à sua missão? Entre a redução e a agenda seguinte de Jesus está a oração. De madrugada, quando ainda estava escuro, Jesus levantou-se, saiu de casa e foi para um lugar deserto, onde ficou orando. É este tempo solitário (De madrugada, quando ainda estava escuro, fora de casa, em um lugar deserto) junto a Deus (o Pai e o Espírito) que define a agenda de Jesus.
No entanto, dizer que Jesus estava à procura de poder ou simples orientação é negar a essência de seu relacionamento na Trindade. Jesus não é um empregado da Trindade, mas faz parte dela. Também não é um curandeiro ávido por sucesso, caso contrário manteria-se nesta carreira que já se mostrava bem-sucedida, ou iria para Jerusalém (ou Roma) ao invés das demais regiões pobres da Galileia. Não. Jesus ama o Pai e o Espírito. Eles buscam a glória um do outro.
Esse tempo devocional de Jesus tem duas implicações para nós: submissão e amor a Deus.
Submissão: Para comentar isso cito as palavras de Paul Freston: ...ao conservar meu plano, o desejo de sucesso, mesmo não sendo com o intuito de me gloriar diante dos homens, continua sendo “de mim mesmo”. Até que eu abra mão do meu projeto, do meu desejo de sucesso (para o reino de Deus, claro), não há súplicas que me libertem “de mim mesmo”. Tenho de perder a autonomia, não só na execução, mas também na elaboração do projeto. Meus projetos não têm eficácia no reino de Deus, não importa como sejam executados. Não são “aquilo que vi o Pai fazer” [e por que não incluir o Filho e o Espírito?] – Nem monge, nem executivo (pág. 96. Ed. Ultimato, 2011).
Amor: Para que oramos? Por que o buscamos? Para ter apenas orientação e poder? Não o amamos? E como podemos amar, sem ansiar por sua presença? Por simplesmente estarmos quietos em Sua companhia amorosa? Aqueles que amam a Deus o buscam por amor, não por outras coisas. Mesmos a santificação não é um projeto nosso para elevar nossa autoestima ou nos livrar da culpa, mas um ato contínuo de amor a Ele, para agradá-lo e glorificá-Lo. Neste sentido, orar é, antes de tudo, um diálogo com o Pai que amamos e que nos ama. É nesse contexto de amor que a intercessão, a petição e a orientação e poder encontram sentido. Amamos quem Ele ama e, por isso, não podemos deixar de interceder. Reconhecemos o seu amor, o seu interesse em nosso bem estar, o seu enorme anseio de exercitar a compaixão por nós, por isso pedimos que Ele tome conta de nós. Amamos a Ele e queremos vê-Lo glorificado e exaltado por isso pedimos poder e orientação.
Assim, que a oração seja um encontro simples e amoroso com o Pai que redefina a nossa agenda. E que, assim, Jesus seja não o nosso faz-tudo; mas o nosso Senhor, a quem, por meio da oração, conhecemos e seguimos.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Eugene Peterson - A pregação do Santo

Trecho de Eugene Peterson, sobre o texto de Is 6.8-10
 
     Então ouvi a voz do Senhor, conclamando: "Quem enviarei? Quem irá por nós?" E eu respondi: Eis-me aqui. Envia-me! Ele disse: "Vá, e diga a este povo: "Estejam sempre ouvindo, mas nunca entendam; estejam sempre vendo, e jamais percebam. Torne insensível o coração deste povo; torne surdos os seus ouvidos e feche os seus olhos. Que eles não vejam com os olhos, não ouçam com os ouvidos, e não entendam com o coração, para que não se convertam e sejam curados".
 
     "o que ele ouviu no texto que lhe foi designado para pregar seu sermão foi algo mais ou menos assim: 'Agora, Isaías, você sabe com quem está lidando – com o Santo. Você é minha testemunha e intérprete. Isso não será fácil. Simplesmente por pregar o Santo, você fará que os olhos deles se ofusquem. Não saberão do que você está falando. Pior ainda, entenderão mal o que você está falando e suporão que é totalmente sem pertinência a tudo que lhes importa. Métodos e meios convincentes e tentadores lhe ocorrerão, serão sugeridos a você, lhe serão recomendados por alguns dos outros profetas da cidade, métodos e meios que põem de lado o Santo para pôr no lugar algo muito mais compreensível e acessível. O fato é que os homens e as mulheres não amam nem apreciam o Santo – querem um Deus que lhes sirva do jeito deles, não um Deus a quem eles sirvam do jeito dele. Não se deixe desviar: a tarefa de pregar a verdade da salvação não é auxiliada pela clareza de comunicação – a comunicação clara requer que se usem palavras e a sintaxe que as pessoas estão familiarizadas, que é parte de seu cotidiano [reduzindo o Santo ao “mercantizável”]. Mas o Santo não faz parte de algo que estejam acostumados. É toldado pelo pecado; é uma vaga lembrança da imagem que foram criados. A pregação do Santo não é promovida por técnicas ou estratégias. O Santo não é um problema a ser resolvido. E, se você transigir na mínima coisa, você me trairá. Também traíra esse povo. Não importa quanto eles respondam a você, não importa quanto eles possam aplaudir seus sermões, você acabará por defraudá-los de uma vida santa, uma vida do alto, uma vida curada, restaurada, resagatada, perdoada – pelo Santo’” [grifo do autor] – O caminho de Jesus e os atalhos da Igreja, pág 167-168. Editora Mundo Cristão, 2009.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Chamados para o discipulado 2


Evangelho de Marcos, capítulo 1, versículos 16-21:

Caminhando junto ao mar da Galileia, viu os irmãos Simão e André, que lançavam a rede ao mar, porque eram pescadores. Disse-lhes Jesus: Vinde após mim, e eu vos farei pescadores de homens. Então, eles deixaram imediatamente as redes e o seguiram. Pouco mais adiante, viu Tiago, filho de Zebedeu, e João, seu irmão, que estavam no barco consertando as redes. E logo os chamou . Deixando eles no barco a seu pai Zebedeu com os empregados, seguiram após Jesus.

Em 1802, Henry Martin, com apenas 21 anos de idade, recebeu um título como o melhor aluno de matemática da Universidade de Cambrigde, Inglaterra. Sua carreira seria brilhante. Mas três anos depois, movido pela leitura da biografia de um missionário norte-americano chamado David Brainerd, Henry Martin, deixou sua brilhante carreira e Lydia, a mulher a quem ele amava e com quem queria se casar, e partiu para a Índia, como missionário, aos 24 anos de idade. Mesmo após 8 anos, Henry pensava em Lydia incessantemente. Henry Martin fez várias traduções da Bíblia, trabalhou incessantemente na Índia e na Pérsia, até que morreu em 1812, aos 31 anos, vítima de tuberculose, na Armênia.
O que faz um homem deixar tudo o que possui, tudo o que ama? Por que Pedro, André, Tiago e João deixaram tudo o que tinham por uma vida incerta?
Quando olhamos para o chamado dos discípulos no evangelho de Marcos, nós não vemos muita coisa sobre quem é Jesus. Não há aqui uma pesca maravilhosa, não há milagres, não há ensinos maravilhosos. De modo que, se você só conhecesse o evangelho de Marcos, você seria forçado a pensar que eles seguiram-no sem o conhecerem direito e começaria a questionar por que esses homens seguiram Jesus.
Jesus tinha provavelmente 30 anos de idade. Era essa a idade com a qual um rabino começava seu ministério de ensinar as pessoas a andar nos caminhos de Deus. No versículo 15, vemos o que Jesus ensinava: O tempo está cumprido, e o reino de Deus está próximo. Arrependei-vos, e crede no evangelho.
O que isso queria dizer? Todos os judeus viviam numa grande expectativa de que viria um grande rei que libertaria os judeus da opressão do império romano e que traria um reino divino de paz, alegria e justiça para todo judeu que tivesse vivido de acordo com a vontade de Deus. O que Jesus está dizendo é que esse reino já havia chegado; é por isso que ele diz que o tempo está cumprido. Portanto, se o reino já chegou, é hora de se arrepender dos seus pecados, da sua rebeldia contra a vontade de Deus e crer na mensagem de Jesus. (Para uma melhor compreensão do significado deste texto e algumas implicações para a nossa vida, ver a postagem anterior: Chamados para o discipulado).
Mas não era comum que um rabino andasse sozinho. Ele geralmente possuía discípulos que aprendiam com ele e que posteriormente passariam seus ensinamentos e sua mensagem adiante. No entanto, até esse momento Jesus está só, ele não possui discípulos. E vemos, neste texto, Jesus chamando pessoas para ser seus discípulos.
Porém não era comum o que Jesus está fazendo aqui. Porque Jesus está chamando pessoas desqualificadas para ser seus discípulos.
O processo comum para alguém se tornar discípulo de um rabino, naquela época, era completamente diferente do que acontece aqui. Primeiro, não era o rabino quem ia atrás do discípulo, mas o discípulo é quem iria atrás do mestre. E para ser aceito essa pessoa tinha de ser alguém especial. Ao longo dos anos de estudo da “Bíblia Hebraica” (o Antigo Testamento), apenas aqueles que tivessem demonstrado que atingiam um certo nível, continuavam os estudos, aqueles que não conseguissem voltavam para casa e aprendiam a profissão do pai, na qual trabalhariam pelo resto da vida. Aqueles que terminassem os estudos poderiam disputar uma vaga de discípulo de um rabino. Ou seja, você tinha de estar no topo, na nata, tinha de estar entre os melhores para ser discípulo de um rabino. Era isso ou trabalhar o resto da vida na profissão de seu pai.
Mas quem são os discípulos de Jesus? Mc 1.16 e 19 dizem o seguinte: Caminhando junto ao mar da Galiléia, viu os irmãos Simão e André, que lançavam a rede ao mar, porque eram pescadores... Pouco mais adiante, viu Tiago, filho de Zebedeu, e João, seu irmão, que estavam no barco consertando as redes. Ora, Jesus não chamou os melhores entre os melhores, não chamou a nata, Ele chamou pescadores. Ele chamou gente que não estava à altura do seu chamado. Gente que não era considerada digna de ser discípula de um rabino. Gente que não se atreveria a procurar um rabino para ser seu discípulo.
Em Atos dos Apóstolos 4.13 eles são descritos assim: Ao verem a intrepidez de Pedro e João, sabendo que eram homens iletrados e incultos, admiraram-se; e reconheceram que haviam eles estado com Jesus. Isto me faz lembrar de 1 Coríntios 1.26-28:  Irmãos, reparai, pois, na vossa vocação; visto que não foram chamados muitos sábios segundo a carne, nem muitos poderosos, nem muitos de nobre nascimento; pelo contrário, Deus escolheu as coisas loucas do mundo para envergonhar os sábios e escolheu as coisas fracas do mundo para envergonhar as fortes; e Deus escolheu as coisas humildes do mundo, e as desprezadas, e aquelas que não são, para reduzir a nada as que são.
Entretanto há uma falsa ideia de que nós temos de estar à altura, de que precisamos ser algo de importante para termos acesso a Deus e para sermos usados por Deus. Ah, eu não tenho um curso de Teologia ou de Missiologia, então não posso servir a Deus! Ah, eu não sei falar! (Ex 3.10,13) Ah, eu sou jovem e imaturo demais! (Jr 1.6). Mas, a partir deste texto, vemos que Deus não nos escolheu por algo que Ele viu em nós, mas porque Ele simplesmente quis. A falsa história de heróis (perfeitos) da fé nos faz esquecer dos fracos, impotentes, machucados e maltrapilhos que Deus usou poderosamente; tais como John Knox e John Bunyan, homens simples, sem instrução, porém usados com incomensurável poder por Deus para trazerem reforma e avivamento ao seu país. Não há um processo de seleção. Até porque todos nós, pecadores que somos, seríamos reprovados. Por isso, Jesus morreu por nós, para perdoar nossos pecados e nos restaurar de modo a podermos seguí-lo.
Mas o que significa ser discípulo de Jesus? Você pode estar pensando: é ser pescador de homens. Mas não. Há algo antes disso. Os versículos 17, 18 e 20 dizem: Disse-lhes Jesus: Vinde após mim, e eu vos farei pescadores de homens. Então, eles deixaram imediatamente as redes e o seguiram.... E logo os chamou. Deixando eles no barco a seu pai Zebedeu com os empregados, seguiram após Jesus. Ou seja, primeiro vocês deixam a vida que vocês têm e venham após mim, depois eu faço de vocês pescadores de homens.
Por que isso? Ser discípulo, naquela época, não era apenas aprender uma série de doutrinas e regras. Quando você tornava-se discípulo de alguém, você deixava toda a sua vida para trás e seguia o seu mestre por onde quer que ele fosse, comia o que ele comia, dormia onde ele dormia e vivia o que ele vivia. A ideia é de que você o seguiria para tornar-se igual a ele, no modo de viver, no modo de pensar, no modo de falar, nas crenças, nas prioridades e em toda a sua existência. E se você fosse um discípulo muito importante você o seguia bem de perto, logo atrás do mestre, tendo maior intimidade com ele e, portanto, aprendendo mais dele e tornando-se mais como ele.
Mas quando olhamos para esses quatro, vemos que, ao longo do evangelho de Marcos, eles são uma espécie de grupo especial de discípulos de Jesus. Quer ver como isso funciona? Quais foram os únicos três que viram a ressurreição da Filha de Jairo? Quais foram os únicos três que viram a Jesus no monte quando ele foi transfigurado e apareceu em toda a sua glória? A quais discípulos Jesus anuncia as coisas que viriam a acontecer?  E quais foram os únicos três que Jesus levou consigo, destacando-os do resto, para vigiar com Ele no Getsêmani? Pedro, Tiago e João (Mc 5.37; 9.2; 13.3; 14.32).
O nome dessa série é “Chamados para o discipulado”. O que você deseja? Ser parte da multidão de discípulos de segunda categoria que simplesmente se chama de “crente” ou ser um verdadeiro seguidor de Jesus? Quer continuar na superficialidade ou quer dar um passo mais longe e estar intimamente com Jesus, conhecendo-O como Ele realmente é e sendo transformado pelo Espírito Santo em alguém como Ele?
Então você precisa fazer como eles: Então, eles deixaram imediatamente as redes e o seguiram...Deixando eles no barco a seu pai Zebedeu com os empregados, seguiram após Jesus. Como assim? Pedro e Jesus, em Mc 10.28 a 30 respondem a essa pergunta: Então, Pedro começou a dizer-lhe: Eis que nós tudo deixamos e te seguimos. Tornou Jesus: Em verdade vos digo que ninguém há que tenha deixado casa, ou irmãos, ou irmãs, ou mãe, ou pai, ou filhos, ou campos por amor de mim e por amor do evangelho, que não receba, já no presente, o cêntuplo de casas, irmãos, irmãs, mães, filhos e campos, com perseguições; e, no mundo por vir, a vida eterna.
Esses homens deixaram a sua casa, seu emprego, família e segurança, para seguirem um pregador ambulante que dizia que o Reino de Deus chegou. Não parece algo sensato, não é? Por que será, então, que a nossa vida parece tão sensata, prudente, uma verdadeira carreira? Será que nos esquecemos de como John Knox foi alvo de assassinos? Como John Bunyan foi preso várias vezes (assim como Toyohiko Kagawa e outros)? Como Bonhoeffer foi executado, segundo as ordens de Hitler?
Deus não quero que você largue seu emprego e vá pra África ser missionário. Mas é necessário que você reflita: Há algo maior que Deus ou que o evangelho na sua vida? Sua família, seus filhos, namoro, carreira, finanças ou popularidade? Há algo que Deus está pedindo que você deixe de lado por amor a Ele e ao evangelho? O chamado de Deus hoje é para que você deixe tudo que se coloca entre você e Deus ou acima de Deus e o evangelho e viva na sua casa, emprego, curso e relacionamentos como um verdadeiro discípulo de Jesus que vive, trabalha, estuda e ama como Jesus faria se estivesse no seu lugar. O chamado de Jesus, exceto para uns poucos, não é que você vá para longe; mas que cada lugar que você for, você aja como Jesus agiria e deixe de lado tudo que não faz parte da vida com Jesus. E, assim, você vá tornando-se cada vez mais parecido com Jesus. Isso é deixarmos tudo e seguirmos a Jesus.
Quem faz isso é transformado por Jesus em pescador de homens, assim como Jesus é um pescador de homens.
É isso o que Ele está fazendo em 1.14 e 15:  Depois de João ter sido preso, foi Jesus para a Galileia, pregando o evangelho de Deus, dizendo: O tempo está cumprido, e o reino de Deus está próximo; arrependei-vos e crede no evangelho. E no final do evangelho de Marcos, Ele envia os discípulos para fazerem a mesma coisa, 16.15 e 16: E disse-lhes [Jesus]: Ide por todo o mundo e pregai o evangelho a toda criatura. Quem crer e for batizado será salvo; quem, porém, não crer será condenado.
Antes de chamá-los, Jesus já era um pescador de homens. Ele pregava o evangelho, dizendo para as pessoas: voltem-se para Deus, pois o seu Reino é chegado. E Ele quer fazer de seus discípulos pregadores do evangelho. Pescar homens é trazê-los das trevas, do pecado, da condenação para a salvação que Jesus conquistou através da sua morte na cruz e sua ressurreição dentre os mortos para todos os que crêem nele, de modo que quem crer nEle e no evangelho pregado pelos seus pescadores de homens terá seus pecados perdoados e será salvo para possuir a vida eterna no reino eterno de Deus. Não é esse um chamado mais digno e grandioso que quaisquer planos de carreira que possamos inventar? Não é o mais necessário? O de conseqüências mais radicais para o ser humano perdido em miséria?
Jesus está em busca de discípulos. Ele quer você. Você não precisa estar à altura. Venha como você está. Deus é poderoso para te usar assim como você é, com todas as suas falhas e fraquezas. Ele quer que você deixe tudo o que se colocar em conflito com o seu amor e seu evangelho. Deixe a superficialidade da sua vida e conheça Jesus como Ele é e assim torne-se como Ele. E, desse modo, Ele te fará pescador de homens.