terça-feira, 10 de abril de 2012

O Rei vem - restauração para a oração


Retomando a série iniciada há duas semanas, buscaremos entender as implicâncias de termos Jesus como nosso Rei. Tendo observado o que isto significa para o mundo, voltamos nossos olhos para o que isto significa para a Sua Igreja.

Mc 11.12-26

12No dia seguinte, quando estavam saindo de Betânia, Jesus teve fome. 13Vendo à distância uma figueira com folhas, foi ver se encontraria nela algum fruto. Aproximando-se dela, nada encontrou, a não ser folhas, porque não era tempo de figos. 14Então lhe disse: "Ninguém mais coma de seu fruto". E os seus discípulos ouviram-no dizer isso.
15Chegando a Jerusalém, Jesus entrou no templo e ali começou a expulsar os que estavam comprando e vendendo. Derrubou as mesas dos cambistas e as cadeiras dos que vendiam pombas 16e não permitia que ninguém carregasse mercadorias pelo templo. 17E os ensinava, dizendo: "Não está escrito: "
'A minha casa será chamada casa de oração para todos os povos'.
Mas vocês fizeram dela um 'covil de ladrões'.
18Os chefes dos sacerdotes e os mestres da lei ouviram essas palavras e começaram a procurar uma forma de matá-lo, pois o temiam, visto que toda a multidão estava maravilhada com o seu ensino.
19Ao cair da tarde, eles saíram da cidade.
20De manhã, ao passarem, viram a figueira seca desde as raízes. 21Pedro, lembrando-se, disse a Jesus: "Mestre! Vê! A figueira que amaldiçoaste secou!"
22Respondeu Jesus: "Tenham fé em Deus. 23Eu lhes asseguro que se alguém disser a este monte: 'Levante-se e atire-se no mar', e não duvidar em seu coração, mas crer que acontecerá o que diz, assim lhe será feito. 24Portanto, eu lhes digo: Tudo o que vocês pedirem em oração, creiam que já o receberam, e assim lhes sucederá. 25E quando estiverem orando, se tiverem alguma coisa contra alguém, perdoem-no, para que também o Pai celestial lhes perdoe os seus pecados. 26Mas se vocês não perdoarem, também o seu Pai que está nos céus não perdoará os seus pecados.

Não é surpresa para ninguém, hoje em dia, a relação entre algumas igrejas e a busca por vantagens pessoais de seus líderes, gerando a exploração ou manipulação de seus membros. Mas um anúncio de um jornal mostra que o pouco caso com aqueles que buscam a Deus podem chegar a extremos:
Embora a passagem de Marcos não chegue a mostrar algo tão absurdo, nem por isso mostra que os religiosos da época de Jesus tinham maior apreço pelos que buscavam a Deus. Pois embora não vendessem os seus fiéis, nem por isso viam-nos com os olhos amorosos de Deus.
Para início de conversa, é preciso entender que os textos sobre a figueira e sobre a “purificação do templo” estão interligados. Como num sanduíche, o que está no meio (o recheio) é mais importante do que o que está nas bordas (o pão). Assim é preciso olhar ambos, dando maior ênfase ao que aconteceu no templo.
Vemos que Jesus procurou figos numa figueira com muitas folhas. Naquela região, as figueiras começam a apresentar suas folhas em março/ abril e após estarem cheias de folhas (em junho), começam a dar frutos. Porém, esta figueira já possui folhas antes de sua época. Possui a aparência de ter frutos, mas quando Jesus procura algum, nada encontra.
Da mesma forma no templo. Jesus entra nele procurando uma casa de oração para todos os povos da terra (frutos), mas não encontra nada disso. Ao contrário, o que viu foram os mercadores no átrio dos gentios (não judeus), tornando aquilo que deveria ser um local de oração a Deus num açougue.
Além da exploração que ocorria naquele lugar, tal situação demonstrava a total indiferença à busca desses gentios pelo Deus “de Israel”. O cheiro, o barulho, o comércio abusivo e o vai-e-vem intenso eram um empecilho à adoração. Ao invés de localizar esse mercado fora do templo, montava-se dentro dele, provavelmente visando às vantagens econômicas de se ter uma barraca onde o movimento é maior.
Tal indiferença acontecia por causa de uma mistura de elitismo do povo judeu (o qual se via como o povo exclusivo de Deus) e por seu preconceito derivado da opressão romana sobre eles. Assim, apesar de permitirem algum culto e oração dentro do templo, os judeus consideravam os gentios como um povo a quem não se devia dar qualquer consideração em relação a Deus.
Diante de tal situação, a reação de Jesus é dupla. Em primeiro lugar, há uma indicação de julgamento, simbolizada na maldição sobre a figueira. Esta tem a ideia de ser irreversível: ninguém mais coma de seu fruto. Estende-se a todo o povo, quando Jesus fala do ataque romano contra Jerusalém, que acontecerá em 70 d.C. (Mc 13), e depois às igrejas locais, conforme Ap 2.5, 16 e 3.3, nos quais Jesus promete varrer tais igrejas do mapa, caso neguem-se a se arrepender.
Porém a reação no templo mostra um processo de restauração, que é a verdadeira ênfase do texto. Pois embora o povo judeu (e algumas igrejas) deixe de ser “a casa de oração”, Jesus prepara uma nova casa para cumprir seus propósitos no mundo.
Assim, essencialmente, vemos que Jesus restaura o seu povo, a fim de que ele seja um “local de acolhimento” para todos os que O buscam.
É por esta lente que devemos ver sua ação no templo. Lá, Jesus purifica o seu povo para que, através dele, as pessoas tenham acesso a Deus.
Antes de tudo, é preciso ver a generosa graça de Deus aqui. Como a figueira sem frutos, assim era aquele povo. Assim o destino deles deveria ser o mesmo que o da figueira. Porém, a extinção do povo de Deus significa a ausência do testemunho do SENHOR e do favor divino a todos os povos através do povo de Deus (Gn 12.3, quando Deus diz a Abraão: por meio de você todos os povos da terra serão abençoados). Por isso, Jesus precisa purificá-lo. Pois, com seus mercadores, o templo tornou-se um covil/ esconderijo de ladrões (v. 17).
Esta acusação é uma citação de Jeremias 7.15, quando o profeta acusa o povo de Israel de adorar outros deuses e explorar o órfão e a viúva. Neste contexto, Deus promete expulsá-los de sua presença.
Isto porque Deus separou o povo de Israel para ser um povo que o buscasse com toda sinceridade e com todo seu ser e demonstrasse isso ao se preocupar com os necessitados de quaisquer nacionalidades e ser um local chamado de “casa de oração” por pessoas de todos os povos (conforme a profecia de Isaías 56.7, citada no v. 17).
Assim, o povo da época de Jesus era indiferente à oração dos gentios necessitados da compaixão de Deus, tornando o seu local de clamor um local de exploração religiosa com aparência de santidade.
Diante disso, a reação de Jesus é remover esta “sujeira”. Tal como Neemias (Ne 13.4-9) lançou fora do templo os móveis do pagão Tobias, assim também Jesus expulsou os mercadores e impediu o trânsito dos carregadores. Vale a pena ressaltar que as palavras “expulsou” e “não permitia” (v.15 e 16) são usadas por Marcos para descrever respectivamente o exorcismo (Mc 3.14) e a autoridade de Jesus sobre os demônios (Mc 1.34). Assim, ao comparar a ação mercantil à diabólica, vê-se que Jesus purificou o Seu templo de algo extremamente danoso ao projeto de fazê-lo “casa de oração para todos os povos”.
Tal purificação tem em vista o desejo de Jesus de que todos os oprimidos, sofredores e necessitados voltem-se a Ele em oração, clamor e súplicas. Por isso, apesar da destruição de Jerusalém por Roma em 70 d.C., o Seu povo continua na igreja, que deve ser esse local de oração, onde quaisquer pessoas podem encontrar Deus e serem ouvidas por Ele.
Mas, como povo de Deus, não poderemos participar deste misericordioso projeto divino, caso afastemos as pessoas de Deus, seja ao explorá-las, seja ao sermos indiferentes a elas. Pois há igrejas hoje que usam o sofrimento das pessoas como fonte de lucro, prometendo bênçãos tão grandes quanto o esvaziamento de suas carteiras e contas bancárias. Também há aquelas indiferentes aos marginalizados ou considerados inferiores por não serem crentes, ou por serem pobres, incultos, afeminados ou sujos. Tais igrejas acolhem de forma maravilhosa os visitantes ricos, eminentes e agradáveis, à medida que excluem os “incômodos”, têm um orçamento grande para o culto e para as despesas internas, mas dão migalhas à pregação do evangelho e à ação social aos de fora, sobretudo os carentes. E há também aquelas igrejas que agem como as freiras do filme “Diários de Motocicleta”, as quais só ofereciam alimento material àqueles que ouviram sua evangelização; manipulando o necessitado com assistencialismo a fim de inculcar-lhe o seu discurso.
Talvez devêssemos lembrar que foi justamente quando a Igreja Católica (que, como todas as outras denominações cristãs, possui suas manchas históricas) cobrava indulgências para construir a Basílica de São Pedro, que Deus levantou Lutero, para aproximar o povo alemão de Deus e de Sua Palavra.
Tal ação de reforma dentro de nossas igrejas nos levará ao mesmo tipo de oposição e questionamento que Jesus sofreu (v.18 e 27-33). Mas, se quisermos ser usados por Deus para abençoar pessoas, devemos nos livrar de todo tipo de interesse próprio, manipulação religiosa ou indiferença em relação ao sofrimento alheio. Deveremos dedicar a maior parte de nossos orçamentos aos sofredores, bem como nosso tempo, oração e dedicação.
Isto porque Cristo quer cuidar destes desamparados da fé, dando-lhes um povo que os escute, os aproxime dEle e interceda por eles, que seja o seu local “de encontrar Deus, Sua voz e Seu amor”. Uma igreja que reconheça, tal como Bonhoeffer disse, que só poderá declarar-se Igreja de Jesus, quando viver para os de fora. Para isso, Jesus a restaura de toda sorte de impurezas, interesses próprios ou indiferença, para que ela viva como um canal do Seu amor e acolhimento.
Isso pode ser mais simples do que pensamos. Em A assinatura de Jesus, Brennan Manning nos conta sobre Dominique Voillaume. Após descobrir um câncer, Dominique, um padre de 54 anos, deixou sua comunidade e passou a morar num cortiço de Paris, sustentando-se como guarda noturno. Todos os dias, antes de voltar para casa, ele gostava de sentar-se num parque, tendo como companhia os vadios, bêbados e moradores de rua que ficavam ali provocando as mulheres que passavam. Brennan continua: “Dominique nunca os criticava, censurava ou repreendia. Ele ria, contava histórias, dividia doces que trazia, aceitava-os como eram. Por viver tanto tempo do seu santuário interior ele transmitia uma paz, um sereno senso de autodomínio e hospitalidade de coração que levava os jovens cínicos e velhos derrotados a gravitarem ao seu redor como ovos ao redor do bacon. Seu testemunho simples consistia em aceitar os outros como eram sem fazer perguntas e permitindo que eles se sentissem em casa no seu coração. Dominique foi a pessoa menos incriminatória que jamais conheci. Ele amava com o coração de Jesus”. Quando questionado sobre quem ele era, falou sobre o amor de Deus por aqueles parias, o que gerou o fim de todas as piadas sujas e provocações às mulheres que ali passavam.
Assim, Jesus quer usar seu povo para acolher os desprezados. Para isso, Ele o purifica para que, através deste povo, as pessoas tenham acesso a Deus.
Mas Jesus também restaura o seu povo, a fim de que ele seja um “local de acolhimento” para todos os que O buscam, quando o ensina a orar com fé.
Ao ver a reação de Pedro diante da figueira seca (v.21), Jesus respondeu com um ensino sobre a oração. A essência deste ensino está nos v.22-24: Respondeu Jesus: “Tenham fé em Deus. Eu lhes asseguro que se alguém disser a este monte: ‘Levante-se e atire-se no mar’, e não duvidar em seu coração, mas crer que acontecerá o que diz, assim lhe será feito. Portanto, eu lhes digo: Tudo o que vocês pedirem em oração, creiam que já o receberam, e assim lhes sucederá”.
É claro que a intenção de Jesus não é tratar aqui de uma “Lei da mecânica espiritual”. Nem este texto serve de base para avaliarmos a fé de uma pessoa pelas respostas de Deus às orações individuais. Mas, sim, de que só poderemos ser uma “casa de oração para todos os povos” se crermos que Deus nos ouvirá, quando clamamos. Como diz Hebreus 11.6: Sem fé é impossível agradar a Deus, pois quem dele se aproxima precisa crer que ele existe e que recompensa aqueles que o buscam. O povo de Deus é um povo de fé, ele crê no amor de Deus, em Seu poder e controle sobre todas as coisas. Sabe que Ele fará o melhor aos que O buscam, mesmo que isso signifique permitir o sofrimento e a morte. Sabe que, diferente de muitos religiosos, Ele está atento ao clamor dos necessitados que ousam colocar suas vidas em Suas mãos invisíveis.
Deste modo, a oração é um serviço silencioso. Por definição, não pode requerer lucro, reconhecimento ou atos de gratidão. Mas é um ato de puro serviço e de pura fé. Pois tem em vista, de um lado, o sofrimento alheio e, de outro, a ação “passiva” de entregar tudo nas mãos de um Deus que ninguém nunca viu, cujo amor só podemos perceber pela fé na Sua Palavra; pois de que outra forma, como poderíamos atribuir as coisas boas da vida à mão de Deus e não ao acaso? É dessa forma que Deus capacita Seu povo a servir aos sofredores: dando lhe a oração e a fé nAquele que ouve.
Mas há uma condição expressa nos v.25-26: E quando estiverem orando, se tiverem alguma coisa contra alguém, perdoem-no, para que também o Pai celestial lhes perdoe os seus pecados. Mas se vocês não perdoarem, também o seu Pai que está nos céus não perdoará os seus pecados. Se não perdoarmos o nosso próximo, ou se não tivermos uma boa relação com este, não seremos ouvidos ou perdoados. Nisto vemos, mais uma vez, que a oração se dá na comunhão com o outro. Que não há espaço no Reino de Jesus para a oração individualista, egocêntrica. Como diz Manning, no mesmo livro citado anteriormente, “qualquer espiritualidade que não conduza de um modo de existência autocentrado a um ‘outro-centrado’ está falida”. O povo purificado por Jesus para servir os outros não pode viver em inimizade com ninguém (pelo menos não por vontade própria).
Assim, nossas igrejas devem ser locais de acolhimento, mas também de oração para todos os aflitos, desesperados, confusos, carentes, solitários, para todos quantos trazem as mãos (sejam suas, as da ciência ou de quaisquer possibilidades humanas) atadas e que reconhecem que só Deus pode fazer algo em seu favor. Pois muitos estão fechados à nossa pregação, mas suplicam por nossas orações. Mas isso exigirá uma proximidade com estas pessoas, um acolhimento, um desejo de ir atrás delas, o que só será possível, como vimos, pela ação restauradora de Cristo em nossos corações.
Por isso Bonhoeffer, percebendo que a pregação da igreja alemã (e também americana) dos seus dias havia se tornado vazia – devido à preocupação mais com seu status perante a sociedade do que com seu serviço – sugeriu que a Igreja teria como foco “a oração por nossos irmãos e o fazer o bem a eles. A organização, o pensamento e o discurso cristãos devem renascer dessa oração e dessa ação”. Palavras de um homem de Deus que serviu os violentos moradores de um bairro da periferia de Berlim e que ousava pregar que a salvação só pode vir de Jesus Cristo, numa Alemanha em que todos os púlpitos convenientemente diziam que a salvação vinha de Hitler.
Assim, que não negligenciemos esse importante recurso que Jesus nos dá em favor de todos, a oração com fé. 
Concluindo, em nossos dias, vemos muitas igrejas que exploram ou tratam com indiferença os necessitados. Mas por amor a eles, Jesus restaura o seu povo, a fim de que ele seja um “local de acolhimento” para todos os que O buscam, ao purificá-lo e ao ensiná-lo a orar com fé. Submetamo-nos a esta purificação de nosso egocentrismo e acolhamos o nosso próximo com o amor de Jesus em nós, orando por todos com a fé que Ele nos concede em Seu poder e misericórdia.

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