Pensando na páscoa, ocorreu-me que seria interessante fazer
uma breve interrupção às séries e refletirmos sobre a importância da páscoa
para nossas vidas. Lembramo-nos muito de como Cristo morreu por nós na
sexta-feira da paixão, mas bem pouco sobre como ressuscitou no domingo. Este
texto é tanto o meu desejo de uma feliz páscoa a você, leitor, como também o
anseio de que você celebre a páscoa com a perspectiva da ressurreição de Cristo
e que, no domingo, você possa dizer alegremente, como os primeiros cristãos
diziam: “Aleluia! Cristo ressuscitou!”
1Co 15.12-34
12Ora, se está sendo pregado que Cristo
ressuscitou dentre os mortos, como alguns de vocês estão dizendo que não existe
ressurreição dos mortos? 13Se não há ressurreição dos mortos,
nem Cristo ressuscitou; 14e, se Cristo não ressuscitou, é
inútil a nossa pregação, como também é inútil a fé que vocês têm. 15Mais
que isso, seremos considerados falsas testemunhas de Deus, pois contra ele
testemunhamos que ressuscitou a Cristo dentre os mortos. Mas se de fato os
mortos não ressuscitam, ele também não ressuscitou a Cristo. 16Pois,
se os mortos não ressuscitam, nem mesmo Cristo ressuscitou. 17E,
se Cristo não ressuscitou, inútil é a fé que vocês têm, e ainda estão em seus
pecados. 18Neste caso, também os que dormiram em Cristo estão
perdidos. 19Se é somente para esta vida que temos esperança
em Cristo, somos, de todos os homens, os mais dignos de compaixão.
20Mas de fato Cristo ressuscitou dentre os
mortos, sendo ele as primícias dentre aqueles que dormiram. 21Visto
que a morte veio por meio de um só homem, também a ressurreição dos mortos veio
por meio de um só homem. 22Pois da mesma forma como em Adão
todos morrem, em Cristo todos serão vivificados. 23Mas cada
um por sua vez: Cristo, o primeiro; depois, quando ele vier, os que lhe
pertencem. 24Então virá o fim, quando ele entregar o Reino a
Deus, o Pai, depois de ter destruído todo domínio, autoridade e poder. 25Pois
é necessário que ele reine até que todos os seus inimigos sejam postos debaixo
de seus pés. 26O último inimigo a ser destruído é a morte. 27Porque
ele "tudo sujeitou debaixo de seus pés" Ora, quando se diz que
"tudo" lhe foi sujeito, fica claro que isso não inclui o próprio
Deus, que tudo submeteu a Cristo. 28Quando, porém, tudo lhe
estiver sujeito, então o próprio Filho se sujeitará àquele que todas as coisas
lhe sujeitou, a fim de que Deus seja tudo em todos.
29Se não há ressurreição, que farão aqueles
que se batizam pelos mortos? Se absolutamente os mortos não ressuscitam, por
que se batizam por eles? 30Também nós, por que estamos nos
expondo a perigos o tempo todo? 31Todos os dias enfrento a
morte, irmãos; isso digo pelo orgulho que tenho de vocês em Cristo Jesus, nosso
Senhor. 32Se foi por meras razões humanas que lutei com feras
em Éfeso, que ganhei com isso? Se os mortos não ressuscitam,
"comamos e bebamos, porque amanhã morreremos"
33Não se deixem enganar: "As más companhias
corrompem os bons costumes". 34Como justos, recuperem o
bom senso e parem de pecar; pois alguns há que não têm conhecimento de Deus;
digo isso para vergonha de vocês.
No filme Gattaca, o personagem principal era um homem com
diversos “defeitos” físicos, vivendo em um mundo onde só os criados em
laboratório para serem geneticamente perfeitos (como seu irmão) tem um lugar na
sociedade. Porém os dois costumavam competir para ver quem conseguia nadar até
mais longe a partir da praia. O personagem principal, inferior geneticamente,
sempre ganhava. Quando questionado pelo irmão sobre como ele conseguia, ele
responde: “é porque eu nunca guardei forças para voltar”. Ao que o irmão
“perfeito” diz:
- Já estamos longe, vamos voltar!
- Mas estamos quase do outro lado!
- Que outro lado?
O personagem “imperfeito” nadava até o outro lado porque
sabia que perto havia um outro lado. Como seu irmão não sabia disso, desistia.
Da mesma forma que o irmão geneticamente “perfeito”
desistia por falta de conhecimento, sem nunca poder chegar ao outro lado, alguns
dentre os “irmãos” da igreja de Corinto não possuíam um correto conhecimento de Deus (v.34), ou de Jesus
Cristo ressurreto dentre os mortos, e por isso corriam o sério risco de não só afastar-se/
desistir dos caminhos de Jesus, e da própria igreja/ comunidade, como também consequentemente
perder toda possibilidade de eles mesmos serem ressurretos dentre os mortos, deixando
de receber a vida eterna com Deus.
De fato, Paulo vem relembrando os princípios mais básicos da
fé cristã a essa igreja tão problemática. Tal comunidade estava dividida em
facções de seguidores de “celebridades” (capítulos 1-4); imoralidade e disputas
judiciais entre cristãos, levando o apóstolo até mesmo a sugerir o celibato
(cap. 5-7); disputas por direitos como comer ou não carne sacrificada aos
ídolos/ deuses pagãos (8-11); problemas e falta de amor nos cultos (11) e disputas
entre os que tinham dons espirituais (12-14). Boa parte dessas contendas surgia
de um falso senso de conhecimento cristão; tão falso que Paulo diz que ao invés
de tratá-los como a “espirituais”, tem de tratá-los como mundanos. Por isso, em
todo momento, Paulo fundamenta suas observações e conselhos num conhecimento
correto sobre Jesus e os elementos básicos da fé cristã.
No capítulo 15 não é diferente. O risco é sério, pois,
diferente dos anteriores, está intimamente relacionado com a condenação eterna
ao inferno. O problema fundamenta-se num conhecimento errôneo, como dito acima.
Não que nunca tivessem ouvido sobre isso, pois a expressão do v. 34 demonstra o
objetivo de Paulo: que eles recuperem o bom senso (NVI), tornem-se novamente
sóbrios (ARA) e lembrem-se do evangelho que ouviram dele (15.1).
Por isso Paulo deseja demonstrar que, verdadeiramente,
Jesus ressuscitou para nos trazer esperança.
Tal esperança surge em nós quando percebemos que Jesus
ressuscitou para nos trazer a ressurreição dos mortos.
Para demonstrar a importância disto, Paulo começa e termina
nos mostrando quão horrível seria a situação dos crentes se Jesus nunca tivesse
ressuscitado.
Assim ele começa afirmando que se Jesus não ressuscitou,
nossa esperança é inútil, estéril, não gera fruto. Em outras palavras, os ateus
estão certos em dizer que somos homens tolos que acreditam em contos de fadas;
não que Deus não exista (no argumento de Paulo), mas de pouco vale colocar sua
esperança em alguém que está morto. Além disso, se se Jesus não ressuscitou,
Paulo, Pedro e Apolo – em quem os coríntios se orgulhavam, dizendo “sou de
Paulo”, de “Apolo”, ou “de Pedro” (1.12) – eram testemunhas falsas, dizendo
mentiras contra Deus. Mas pior que tudo isso: eles e os crentes em Cristo que morreram
estavam condenados ao inferno por causa de seus pecados, pois sua fé era
enganosa, baseada em mentiras.
Resumindo: se Jesus não ressuscitou, eles criam em mentiras e estavam
eternamente condenados. Por isso, Paulo diz que Se é somente para esta vida
que temos esperança em Cristo, eram os seres mais miseráveis e dignos de
pena de toda a raça humana (v.19).
Se isso é verdade, toda a vida cristã é sem sentido. De
nada valeria “batizar-se pelos mortos” (o que alguns sugerem se tratar da
tentativa errônea de batizar-se em nome de um crente morto que não havia
recebido o batismo em vida, para beneficiá-lo), porque eles já estão no inferno.
De nada valeriam os sofrimentos de Paulo, correndo risco de vida por causa do
evangelho a cada dia, a cada estrada, cidade ou encontro. De nada valeriam as
lutas pelo evangelho. Ou seja, se os mortos não ressuscitam (que parece ser a
base do argumento daqueles que diziam que Cristo não ressuscitara (v.1, 15b-16)),
a vida não tem sentido, não vale a pena, e o melhor que temos a fazer é viver
de festa em festa como fazem muitos que não creem em Deus (Se os mortos não
ressuscitam,"comamos e bebamos, porque amanhã morreremos", v.32).
Talvez seja por um pensamento semelhante que muitos ou
vivem cambaleando no meio cristão, ou nem querem (mais) saber dele. Se os
mortos não ressuscitam ou se toda nossa esperança resume-se a essa vida, por
que crer em Cristo? Por que obedecê-lo? Adorá-lo? Proclamá-lo? Ou sofrer por
Ele? Não admira, de um lado, que muitos não querem saber por que Jesus morreu
na cruz; nem, por outro, que tantos abandonem as igrejas. Se não creio ou não
me interesso por minha vida após a morte, mas tão somente antes da morte, por
que seguir a Cristo? Por que crer em sua ressurreição?
Se nós não podemos ir para o inferno ou para uma vida de
eterno prazer com Deus; se a vida acaba-se como uma bolha que se estoura no
momento em que morremos, tudo perde o sentido. Toda aquela baboseira que
Heidegger e Sartre escreveram (e que damos o nome de existencialismo – a tentativa
humana de trazer sentido à vida) não serve senão de ilusão para um grupo de
pessoas que tentam desesperadamente não afundar em depressão. Não é a toa que
as festas e as “existências” dos “eruditos” da universidade sejam tão parecidas
com as de qualquer “iletrado alienado”, que gasta no sábado à noite o que não
conseguiu juntar com 40 horas de trabalho semanais. Talvez estes tenham
entendido melhor do que aqueles a conclusão lógica de uma vida que acaba de uma
vez por todas. Se a vida acaba, toda tentativa de dar sentido a ela (através de
prazeres, espiritualidade oca, ou da dedicação aos outros – que também deixarão
de existir) é, como dizia o filósofo Soren Kierkegaard, desespero.
Mas (essa palavra
de significado tão especial nas cartas de Paulo!) de fato Cristo ressuscitou dentre os mortos, sendo ele as primícias
dentre aqueles que dormiram (v.20). Se o pecado de um traz a morte de
todos, a ressurreição de Jesus (o qual morreu e ressuscitou por todos os que
creem nEle) traz vida eterna para todos os crentes.
Ah! A grande mensagem do evangelho é essa: há uma solução
para a morte! A ressurreição de Cristo, a qual resolve de uma vez por todas essa
questão. De fato a morte ainda ocorre, mas aquilo que era “o maior dos males”
foi revertido na maior das alegrias.
É Kierkegaard, em O
desespero humano quem nos mostra essa realidade:
Porque na linguagem
humana a morte é o fim de tudo, e, como se costuma dizer, enquanto há vida, há
esperança. No entanto, para o cristão, a morte de modo algum é o fim de tudo, e
nem sequer um simples episódio perdido na realidade única que é a vida eterna.
A morte implica para nós infinitamente mais esperança do que a vida comporta,
até mesmo quando a saúde e força transbordam.
Desta forma, ao invés de tirar o valor da vida, a morte
daquele que crê na ressurreição em Cristo, molda-a e a significa por completo.
Cada detalhe é revestido de importância para aqueles que sabem que Deus provará a qualidade da obra de cada um (1Co
3.13). Vale a pena viver, pois se vivermos bem (segundo os critérios de Deus),
nada estará perdido. Tal é a diferença entre o padre e o personagem principal
(ateu) de “Mar adentro” (filme baseado na história real de Ramón Sampedro). O
primeiro sai de cena vivo, o outro se mata no fim do filme.
Pelo mesmo motivo é que John Stott cita as palavras de Joni
Tada, também tetraplégica, em seu livro O
incomparável Cristo: Nenhuma outra
religião, nenhuma outra filosofia promete novo corpo, coração ou mente. Só o
Evangelho de Cristo faz com que sofredores encontrem essa esperança incrível.
Não foi à toa que esta mulher “aprendeu
a pintar, ficou famosa como conferencista e escritora e desenvolveu um trabalho
de ajuda a deficientes físicos”.
Assim, Jesus ressuscitou para trazer a ressurreição dos
mortos, a fim de nos encher de uma esperança que vivifica cada momento e
aspecto de nossas vidas, enchendo-as de sentido.
No entanto, essa esperança só se completa se vivermos
eternamente em um mundo melhor. De que valeria viver eternamente em um mundo
cheio de caos, sofrimento e violência?
Felizmente, Jesus ressuscitou para fazer Deus soberano
sobre todas as coisas.
Os v.23-28 nos trazem a agenda divina. Segundo ela, Jesus ressuscitou
dos mortos primeiro e na ocasião da sua vinda, para trazer o Reino de Deus de
uma vez por todas, todos os que têm sua esperança nEle, serão ressurretos dentre
os mortos. Neste momento, virá o fim, ou seja, todas as coisas e toda a
História atingirão o seu propósito. Isso ocorrerá quando ele entregar o
Reino a Deus, o Pai (v.24). Porém antes disso, todos os “poderes” que lhe
são contrários serão destruídos de uma vez por todas. Podemos agrupá-los em
duas categorias/ poderes: todo domínio, autoridade e poder (v.24) e a
morte (v.26).
Os primeiros são chamados de poderes, pois tratam de seres
sobrenaturais (Satanás e seus anjos) que exercem um domínio opressivo de
deturpação e destruição sobre a criação de Deus. Embora a responsabilidade
humana não seja descartada, o Novo Testamento (sobretudo os evangelhos) divide
a realidade humana em dois reinos. O reino de Satanás, com sua violência,
escravidão, imoralidade, mentira, corrupção e sofrimento etc. E o Reino de
Deus, repleto de alegria, paz, amor, justiça, saúde, santidade, retidão etc.
Jesus ressuscitou para substituir um reino por Outro.
O segundo poder, a morte, age de modo “infalível” sobre
toda a vida, de modo que mesmo os cristãos ainda não passam incólumes por ela.
Por isso, Paulo diz que é o último a ser destruído. Porém, na vinda de Jesus
ela deixará de existir por completo. A alegria não acabará.
De fato Ele fará isso e já começou a fazer. Por isso os
v.25 e 27: Pois é necessário que ele reine até que todos os seus inimigos
sejam postos debaixo de seus pés. Porque ele "tudo sujeitou debaixo de
seus pés". Contudo, como podemos perceber, assistindo o noticiário,
isso é algo ainda não completado. Por causa disso, o v.28 expressa essa vitória
gradual no tempo futuro Quando, porém, tudo lhe estiver sujeito.
].
Mas Jesus não usurpará para si tal governo ...então o
próprio Filho se sujeitará àquele que todas as coisas lhe sujeitou, a fim de
que Deus seja tudo em todos (v.28). Pois seu desejo é que o Pai seja
soberano sobre todas as coisas e que todas as coisas sejam segundo a vontade
dEle para a total felicidade de Deus e dos cristãos.
Talvez a melhor forma de demonstrar a maravilhosa esperança
que esta parte nos traz, seja com a imagem final de todas As Crônicas de Nárnia, em A
última batalha (de C.S. Lewis):
...Então Aslam
voltou-se para eles, dizendo:
- Vocês ainda não
parecem tão felizes como eu gostaria.
- É que estamos com
medo de ser mandados embora, Aslam! Já fomos mandados de volta ao nosso próprio
mundo muitas vezes.
- Não precisam ter
medo – disse o Leão. – Vocês ainda não perceberam?
Sentiram o coração
pulsar forte e uma leve esperança foi crescendo dentro deles.
- Aconteceu mesmo um
acidente com o trem – explicou Aslam. – Seu pai, sua mãe e todos vocês estão
mortos, como se costuma dizer nas Terras Sombrias. Acabaram-se as aulas:
chegaram as férias! Acabou-se o sonho: rompeu a manhã!
E, à medida que Ele
falava, já não lhes parecia mais um leão. E as coisas que começaram a acontecer
a partir daquele momento eram tão lindas e grandiosas que não consigo
descrevê-las. Para nós, este é o fim de todas as histórias, e podemos dizer,
com absoluta certeza, que todos viveram felizes para sempre. Para eles, porém, este
foi apenas o começo da verdadeira história. Toda a vida deles neste mundo e
todas as suas aventuras em Nárnia haviam sido apenas a capa e a primeira página
do livro. Agora, finalmente, estava começando o Capítulo Um da Grande História
que ninguém na terra jamais leu: a história que continua eternamente e na qual
cada capítulo é muito melhor do que o anterior.
Deste modo, Paulo nos mostra que a ressurreição de Jesus
traz um mundo no qual Deus é soberano sobre todas as coisas e que isto
significa o fim de tudo que nos traz sofrimento e desesperança, ao mesmo tempo
em que completa o propósito divino de trazer uma era de eterna felicidade.
O propósito de Paulo em tudo isso é que não nos deixemos
enganar por aqueles que dizem que não há ressurreição dos mortos; que paremos
de pecar, quando não cremos na ressurreição de Cristo e retornemos ao bom senso
do evangelho a fim de desfrutarmos da esperança que Jesus nos trouxe quando
ressuscitou (v.33 e 34).
Portanto, que nesta páscoa, lembremo-nos daquele que pode
ser o único motivo da esperança do homem, Jesus Cristo. Ele ressuscitou para
nos trazer a ressurreição dos mortos e fazer Deus soberano sobre todas as
coisas. Se crermos nEle, mantendo viva a nossa esperança na nossa ressurreição
e na vinda do Reino de Deus com Jesus, teremos uma vida cheia de sentido e uma
eternidade repleta de felicidade.
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