quarta-feira, 7 de março de 2012

O caminho do discipulado 6 - Discipulado radical


Mc 10.17-31

17Quando Jesus ia saindo, um homem correu em sua direção e se pôs de joelhos diante dele e lhe perguntou: "Bom mestre, que farei para herdar a vida eterna?"
18Respondeu-lhe Jesus: "Por que você me chama bom? Ninguém é bom, a não ser um, que é Deus. 19Você conhece os mandamentos: 'Não matarás, não adulterarás, não furtarás, não darás falso testemunho, não enganarás ninguém, honra teu pai e tua mãe'”.
20E ele declarou: "Mestre, a tudo isso tenho obedecido desde a minha adolescência".
21Jesus olhou para ele e o amou. "Falta-lhe uma coisa", disse ele. "Vá, venda tudo o que você possui e dê o dinheiro aos pobres, e você terá um tesouro no céu. Depois, venha e siga-me."
22Diante disso ele ficou abatido e afastou-se triste, porque tinha muitas riquezas.
23Jesus olhou ao redor e disse aos seus discípulos: "Como é difícil aos ricos entrar no Reino de Deus!" 24Os discípulos ficaram admirados com essas palavras. Mas Jesus repetiu: "Filhos, como é difícil entrar no Reino de Deus! 25É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus".
26Os discípulos ficaram perplexos, e perguntavam uns aos outros: "Neste caso, quem pode ser salvo?"
27Jesus olhou para eles e respondeu: "Para o homem é impossível, mas para Deus não; todas as coisas são possíveis para Deus".
28Então Pedro começou a dizer-lhe: "Nós deixamos tudo para seguir-te".
29Respondeu Jesus: "Digo-lhes a verdade: Ninguém que tenha deixado casa, irmãos, irmãs, mãe, pai, filhos, ou campos, por causa de mim e do evangelho, 30deixará de receber cem vezes mais, já no tempo presente, casas, irmãos, irmãs, mães, filhos e campos, e com eles perseguição; e, na era futura, a vida eterna. 31Contudo, muitos primeiros serão últimos, e os últimos serão primeiros".

Atualmente, vivemos uma crise no discipulado de Jesus. Nossas igrejas estão cheias de pessoas que dizem a respeito de si mesmas: “Tudo entregarei” ou “Sou um seguidor de Jesus”, ou ainda “Amo Jesus mais do que tudo”. Apesar disso, o compromisso da maioria das pessoas com Jesus parece um tanto superficial: baixo compromisso financeiro e muitos gastos supérfluos, muito tempo nos shoppings e pouco nos cultos, conhecimento raso das escrituras e muitas conversas sobre novela e jogos de futebol, pouca oração e muitos “tweets”. E se há algum tipo de confrontação, diz-se logo: “onde está o amor?”, “por que ficam me cobrando?”; isso quando não se muda de igreja por qualquer motivo.
Essa superficialidade parece ocorrer com este homem. Ele parece exaltar Jesus ao prostrar-se diante dele; parece muito obediente a Deus (v.19, 20) e zeloso de aprender mais (v.17). De fato, ele parece mais devoto que muitos de nós. Mas para ele, Jesus é apenas um simples professor. Mesmo quando Jesus tenta corrigí-lo e fazê-lo entender que ele está falando com o próprio Deus (v.18), aquele homem ainda o vê como um simples professor (v.20).
Ora a diferença entre um professor e um mestre é tamanha. A um professor você faz perguntas. A um Deus você adora e serve. Um professor pode ser avaliado e acatado (caso NOS pareça que ele entende do assunto); já com Deus não há essa escolha. Ou seja, este homem procura Jesus como um professor e o desobedece (v.22), por ver nEle simplesmente isso. Caso o visse como o “bom Deus”, teria percebido que não possuía escolha.
Ao procurar Jesus como um professor, vê nEle alguém que tem algum segredo que lhe falta saber. Ele já é obediente aos mandamentos de Deus, pois os tem obedecido desde a juventude. Porém, crê que isso não é o suficiente e pergunta a Jesus qual é o segredo para se herdar a vida eterna.
E Jesus parece concordar com ele, pois diz Jesus olhou para ele e o amou. "Falta-lhe uma coisa", disse ele. "Vá, venda tudo o que você possui e dê o dinheiro aos pobres, e você terá um tesouro no céu. Depois, venha e siga-me." (v.21).
. No entanto, essa uma coisa vai contra tudo o que ele desejava ouvir. Assim, Diante disso ele ficou abatido e afastou-se triste, porque tinha muitas riquezas. (v.22).
Ele estava disposto a obedecer aos mandamentos. Parecia mesmo disposto a obedecer a Jesus. Mas sua disposição morria com as suas riquezas. A sua devoção religiosa era tão radical quanto lhe permitisse desfrutar das muitas riquezas e propriedades que tinha. Na verdade, seu amor às riquezas era maior que seu anseio de ter vida eterna. Preferia as riquezas que os “ladrões roubam e furtam” ao tesouro no céu, caso esse último fosse acompanhado de privações e sofrimentos. Por isso saiu triste (e não indiferente), pois seu coração fora desmascarado.
Como fica claro no trecho seguinte, não se trata de ser caridoso ou simplesmente de uma pretensa radicalidade nossa (como se o fato de decidirmos por entrarmos para um monastério resolvesse a questão). Mas, sim, da impossibilidade de conquistarmos o Reino por nós mesmos. Pois, no v. 24, Jesus expande essa impossibilidade a todos os homens. [Quanto à figura do camelo e da agulha, devemos entendê-lo como um animal e o instrumento de costura, visto a alusão a um certo nó (que seria chamado “camelo”) e a um certo buraco em muralhas (que seria chamado “agulha”) não possuírem evidências na cultura da época de Jesus que as apoiem]. Pois como bem diz Brennan Manning em “A assinatura de Jesus”, Jesus contentou-se com duas moedas no caso da viúva (Mc 12.41-44) e com metade dos bens aos pobres, no caso de Zaqueu (Lc 19.1-10). Assim a radicalidade do evangelho está no coração, motivações e desejos.
Por isso, toda nossa tentativa de herdar a vida eterna por nós mesmos é inútil. Pois no final das contas, como diz C.S. Lewis, “não somos melhores porque não queremos”. Não que seguir Jesus perfeitamente nos seja possível neste momento; mas sim que, ainda que fosse, nós não desejamos isso de verdade.
Não é à toa que nosso compromisso com Jesus é tão superficial. Porque, do jeito que está o nosso coração (ainda contaminado pelo pecado), não desejamos ir muito longe por Jesus. Talvez um culto semanal, 10% do nosso salário, ou algumas horas (poucas, por favor) dedicadas ao nosso próximo, mas não me peça mais que isso!
Temos uma espiritualidade de bênçãos terrenas e não de tesouros no céu. Oramos para conseguir um emprego ou namoro, mas falta-nos o anseio de clamar pelo Espírito Santo. Lemos a Bíblia procurando promessas reconfortantes, mas pulamos o chamado ao amor ilimitado. Ofertamos e honramos aos missionários, porque (no fundo) não queremos passar pelo que eles passam. Falta-nos a atitude de deixar todas as coisas para seguir a Jesus.
Mas que ninguém se engane. A quantidade ou a qualidade do “sacrifício” não importa, pois mesmo uma freira tem seus limites. O que importa é o coração. Por isso, sabiamente, Manning (no livro citado anteriormente) afirma que radicalidade é simplesmente obedecer a Jesus. Como nenhum de nós chega a tal ponto, Jesus diz que é impossível ao homem salvar-se.
Mesmo que deixemos tudo para O seguir (v.28), isso não nos traz mérito que nos faça herdar o Reino, segundo as palavras de Jesus no v.31, ecoadas em Mt 20.16, cujo contexto (Mt 20.1-16) deixa claro que o muito servir Jesus (ou abandonar por Jesus) não nos torna melhores aos seus olhos, visto que Lc 17.10 diz: Assim também vocês, quando tiverem feito tudo o que lhes for ordenado, devem dizer: 'Somos servos inúteis; apenas cumprimos o nosso dever'.
Os discípulos ficaram perplexos, e perguntavam uns aos outros: "Neste caso, quem pode ser salvo?"
Jesus olhou para eles e respondeu: "Para o homem é impossível, mas para Deus não; todas as coisas são possíveis para Deus". (v.26 e 27).
Considerando que o v.18 mostra que Jesus é o bom Deus, percebemos então que Jesus dá a vida eterna àqueles que o seguem. Aquilo que não podíamos fazer, Ele faz na cruz e na ressurreição dos mortos. Ele nos dá a vida eterna, nos faz entrar em Seu Reino. Como no caso das crianças [ver o artigo anterior], trata-se aqui de Sua exclusiva bondade.
O fato é que ninguém é digno de seguí-lo, adorá-lo, buscá-lo. Mas mesmo assim Ele chama pessoas como este homem a fazê-lo. E àqueles que deixam tudo e o seguem, Ele promete uma compensação incomparável nesta vida (v.29-30). A linguagem é metafórica. Não quer dizer que os discípulos terão muitas riquezas, haréns, ou uma creche. Mas que a compensação será tanta que o que foi abandonado será suprido com abundância: posses e riquezas, uma família.
Isso porque o Reino de Deus começa e se concretiza aqui. É um Reino “deste mundo”. E ele é tão excelente que quaisquer “sacrifícios” são pequenos, quando comparados com o seu substituto. Por ele vale a pena suportar a perda do teto, dos bens, o abandono ou separação do cônjuge e dos filhos.
E isso certamente acontecerá, pois o v.30 promete, entre as muitas bênçãos, a perseguição por causa de Jesus e do evangelho (v.29). Embora o segundo artigo desta série fale um pouco disto, gostaria de relembrar qual foi o sentimento dos apóstolos após terem sido açoitados por causa de Jesus e do evangelho: Os apóstolos saíram do Sinédrio, alegres por terem sido considerados dignos de serem humilhados por causa do Nome [de Jesus] (At 5.41). Eles certamente entenderam a perseguição como uma coisa natural ao discípulo de Jesus.
E no fim de tudo isto, a vida eterna. Aquilo que o homem rico quis, mas lhe era impossível. Aquilo pelo que os discípulos deixaram tudo e seguiram a Jesus. Aquilo pelo que sofreram. O tesouro no céu, a participação no Reino de Deus, o “cem vezes mais” pelo qual tudo vale a pena.
Aquilo que é impossível ao homem conquistar, Jesus dá àqueles que o seguem.
Por isso, John Bunyan considerou melhor perder tudo a fim de seguir Jesus.
Ele era um homem perdido. Vivia em todo tipo de vícios, xingando, mentindo e blasfemando o nome de Deus o tempo todo. Mas em 1655, esse pobre funileiro converteu-se. Era uma época conturbada. Havia um grupo chamado de puritanos que queria uma reforma religiosa na Inglaterra. E o governo decidiu que qualquer um que não tivesse uma licença do governo seria preso caso pregasse o evangelho. Obviamente, só tinha a tal licença quem fosse da igreja do Estado. Lá estava John Bunyan. Por ser um homem sem instrução e não fazer parte da igreja do Estado ele foi preso diversas vezes por pregar o evangelho sem licença do governo. Alguns acreditam que foi durante uma dessas prisões que ele escreveu “O peregrino”. Aquele homem se afligia muito por ficar separado de sua esposa e suas quatro filhas, uma delas cega, e pensava se não deveria abandonar o evangelho para cuidar delas que mal tinham como se sustentar.
Mas aquele homem perseverou até o fim e certa vez escreveu: “foi-me permitido ver que, se eu quisesse sofrer da forma certa, deveria, primeiro, passar uma sentença de morte sobre tudo que possa, apropriadamente, ser considerado uma coisa deste mundo, considerando como mortos eu mesmo, minha esposa, meus filhos, minha saúde, meu contentamento e tudo mais, como também considerar-me morto para eles. Em segundo lugar, viver em Deus, que é invisível, como Paulo disse em outro lugar; o caminho para não desfalecer é ‘fixar os olhos, não naquilo que se vê, pois o que se vê é transitório, mas o que não se vê é eterno’”.
Talvez seja por isso que, segundo um dos biógrafos dele, se você anunciasse na terça que John Bunyan pregaria na quarta-feira, veria 1200 pessoas se aglomerando às 7h da manhã para ouvi-lo pregar. Talvez seja por isso que John Owen, um dos maiores teólogos daquela época, quando questionado por um rei por que ele iria ver um simples funileiro pregar, respondeu o seguinte: “Eu trocaria voluntariamente todo o meu conhecimento pelo poder do funileiro de tocar os corações das pessoas”.
Talvez seja por isso que cerca de 3000 pessoas converteram-se numa das pregações de Pedro (At 2.41) e muitas igrejas foram iniciadas por Paulo, pois esses foram homens que deixaram tudo a fim de seguir Jesus, preferindo o tesouro no céu, o “cem vezes mais com perseguição”, o Reino de Deus, a vida eterna.
Reconheçamos de uma vez por todas que o discipulado de Jesus é mais radical que o que temos vivido. E que sua recompensa é maior do que as bênçãos que temos buscado.
Idealmente, o discípulo de Jesus sabe que não há em si mesmo um desejo bom que não venha de Deus. Sabe-se incapaz de conquistar o Reino. Ele aceita a graça generosa de Jesus. Valoriza o que é dado por Deus muito mais do que o que é ofertado pelos homens. Não mede esforços a fim de ser confundido com Jesus. Não troca o passageiro pelo eterno, nem o menos necessário pelo imprescindível. Ele tem os olhos fixos “no céu”, a fim de ter a consideração correta para com o que é visível.
Que o nosso coração seja desmascarado em nosso pouco apreço por Jesus, seu evangelho, Reino e vida. Não para que nos afastemos tristes, mas para que tomemos uma decisão que nos alegre na Sua vinda. Deixemos de lado nossas tentativas fúteis de merecermos o Reino e o recebamos dEle. Morramos para aquilo que nos aprisiona e sigamos a Jesus em direção à vida eterna.

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