Mc 10.35-45
35Nisso Tiago e João, filhos de Zebedeu,
aproximaram-se dele e disseram: "Mestre, queremos que nos faças o que
vamos te pedir". 36"O que vocês querem que eu lhes
faça?", perguntou ele. 37Eles responderam: "Permite
que, na tua glória, nos assentemos um à tua direita e o outro à tua esquerda".
38Disse-lhes Jesus: "Vocês não sabem o
que estão pedindo. Podem vocês beber o cálice que eu estou bebendo ou ser
batizados com o batismo com que estou sendo batizado?" 39"Podemos",
responderam eles. Jesus lhes disse: "Vocês beberão o cálice que estou
bebendo e serão batizados com o batismo com que estou sendo batizado; 40mas
o assentar-se à minha direita ou à minha esquerda não cabe a mim conceder.
Esses lugares pertencem àqueles para quem foram preparados".
41Quando os outros dez ouviram essas coisas,
ficaram indignados com Tiago e João. 42Jesus os chamou e
disse: "Vocês sabem que aqueles que são considerados governantes das
nações as dominam, e as pessoas importantes exercem poder sobre elas. 43Não
será assim entre vocês. Ao contrário, quem quiser tornar-se importante entre
vocês deverá ser servo; 44e quem quiser ser o primeiro deverá
ser escravo de todos. 45Pois nem mesmo o Filho do homem veio
para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos".
Este texto traz um problema muito comum em todo grupo
humano. Quem vai liderar? Ou, melhor dizendo, quem estará abaixo ou acima de
mim? C.S. Lewis captou bem essa nossa característica quando fez da motivação
básica que levou Edmundo a trair seus irmãos (em “O Leão, a feiticeira e o guarda-roupa”)
o desejo de reinar sobre seus irmãos ao invés de ao lado deles. A cultura
brasileira do profissional autônomo, que “não quer ter chefe” sobre si é
totalmente incoerente com o caminho de Jesus. Mas, infelizmente, surge na
igreja de tempos em tempos como uma erva daninha.
E surgiu entre os discípulos neste momento. Eles
responderam: "Permite que, na tua glória, nos assentemos um à tua direita
e o outro à tua esquerda" (v.37).
O pedido de Tiago e João era de tornarem-se corregentes com
Jesus em Sua majestade. Eles queriam posições de autoridade, domínio e poder.
Sobre quem? Sobre todos, inclusive sobre os outros dez apóstolos.
Não parece estranho? Os v.32-34 nos trazem o contexto deste
trecho. Nele lemos que Jesus estava à frente, indo para Jerusalém. Os
discípulos (entre eles, Tiago e João) estavam maravilhados, crendo que Jesus
iria tomar a liderança do povo judeu como um Rei. Já os que os seguiam tinham
medo, sem saber o que esperar. Nisso Jesus diz que será humilhado, açoitado e
crucificado, mas que três dias depois ressuscitará. Que parte da humilhação,
açoite e da cruz eles não entenderam? O próprio Jesus lhes diz que eles não
sabiam o que estavam pedindo (v.38). E mesmo quando dizem que poderiam beber do
cálice que Jesus estava bebendo e serem batizados com o batismo com o qual ele
estava sendo batizado (em outras palavras, sua cruz), eles não conseguiram
entender.
Pois eles pensavam em um Rei glorioso, marchando para
Jerusalém a fim de libertá-la de forma sobrenatural do Império Romano e de toda
corja de religiosos sem Deus que dominavam o povo através da religião. Quão
intensamente eles beberiam o cálice quando Jesus foi preso e crucificado! Quão
diferente seria sua resposta se tivessem entendido que as palavras de Jesus
referiam-se à sua humilhação, sofrimento e morte.
Isso porque Jesus estava dizendo: “Vocês querem se
semelhantes a mim em minha glória? Acaso podem ser semelhantes a mim no meu
sofrimento?” A mesma pergunta é feita a todo candidato ao Reino de Jesus. A
nossa resposta deve ter o mesmo sentimento da “resposta” de Paulo em Fp
3.10-11: Quero conhecer Cristo, o poder da sua ressurreição e a participação
em seus sofrimentos, tornando-me como ele em sua morte para, de alguma forma,
alcançar a ressurreição dentre os mortos. E vemos que Tiago e João terão a
mesma reposta, como o próprio Jesus lhes diz (v.39). Isso se cumpriu em At
12.1,2 (Nessa ocasião, o rei Herodes prendeu alguns que pertenciam à igreja,
com a intenção de maltratá-los, e mandou matar à espada Tiago, irmão de João.)
e Ap 1.9 (Eu, João, irmão e companheiro de vocês no sofrimento, no Reino e
na perseverança em Jesus, estava [preso] na ilha de Patmos por causa da
palavra de Deus e do testemunho de Jesus.) . Mas, mesmo o fazendo, vemos
que a liderança (o assentar-se ao lado de/ com Jesus) não se dá como
consequência disto (v.40).
À medida que a situação se agravava, com a indignação dos
outros dez discípulos (v.41), Jesus chama todos os discípulos e demonstra que
as coisas deveriam ser bem diferentes: Jesus os chamou e disse: "Vocês
sabem que aqueles que são considerados governantes das nações as dominam, e as
pessoas importantes exercem poder sobre elas. Não será assim entre vocês. Ao
contrário, quem quiser tornar-se importante entre vocês deverá ser servo; e
quem quiser ser o primeiro deverá ser escravo de todos” (v.42-44). Eles não
deveriam buscar posições de prestígio, ou domínio (aquilo que muitos chamam
hoje de “carreira” ou “subir na vida”), mas justamente o contrário! O mais
“absurdo” é que as posições estão tão invertidas que para ser meramente
importante é necessário ser servo (palavra que originou o termo diácono), mas
para ser o mais importante (o primeiro, o líder de todos) é necessário ser como
quem se vendeu aos outros (todos eles!) como seu escravo!
O que Roberto Justus diria sobre isso?
O que muitos de nossos “pastores” e “líderes cristãos”
diriam sobre isso?
Lembro-me de um senhor que queria ser pastor. Eu lhe
perguntei o por quê. A resposta: “porque eu quero que, quando eu falar, as
pessoas prestem atenção em mim... quero que elas me obedeçam”. De fato, muitos se
tornam líderes e pastores nas igrejas como meio de conquistar uma melhor
autoestima.
Além disso, usando métodos de liderança extraídos da área
empresarial, ou militar, de forma acrítica (o que quer dizer que podemos
usá-los se forem condizentes com os valores de Jesus), temos um modo de agir
baseado em resultados e obediência irrestrita ao Big Brother. Delegar vira
“pagar uma missão” (sem quaisquer possibilidades de contestação). Perfis de
liderança passam a ser baseados em “autoridade” e carisma, ao invés de
santidade, piedade e uma mente moldada pela Palavra de Deus. Avaliações de
liderança são baseadas em metas e gráficos e não no amor. Ao desobediente,
repreensões árduas e maldições no lugar do Deve corrigir com mansidão os que
se lhe opõem, na esperança de que Deus lhes conceda o arrependimento,
levando-os ao conhecimento da verdade (2Tm 2.25) e da mansidão de Moisés
(Nm 12.3).
Onde está o serviço? Onde a escravidão a todos?
Porém, isto não quer dizer que o líder é um “serviço de
atendimento ao cliente”, nem que ande com uma placa, com os dizeres: “o cliente
tem sempre razão”; pois o próprio Jesus expulsou os mercadores do templo (Mc
11.12-19) e denunciou a hipocrisia dos fariseus e mestres da Lei (Mt 23). De
fato, o servo de Deus é chamado a uma repreensão profética quando o povo se
desvia. Mas não seremos capazes de a fazermos do modo adequado, enquanto não
aprendermos a servirmos com amor aos nossos liderados.
Mas por que deveríamos agir assim? Pois nem mesmo o
Filho do homem veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em
resgate por muitos (v.45). Se formos discípulos de Jesus, Ele deve ser o
nosso modelo. O qual segundo Fp 2.5-11: Seja a atitude de vocês a mesma de
Cristo Jesus, que, embora sendo Deus não considerou que o ser igual a Deus era
algo a que devia apegar-se; mas esvaziou-se a si mesmo, vindo a ser servo
tornando-se semelhante aos homens. E, sendo encontrado em forma humana,
humilhou-se a si mesmo e foi obediente até a morte, e morte de cruz! Por isso
Deus o exaltou à mais alta posição e lhe deu o nome que está acima de todo
nome, para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho, nos céus, na terra e
debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para a glória
de Deus Pai.
Assim, aqueles que querem ocupar os lugares à direita e à
esquerda de Jesus devem se esvaziar e tomar a posição de escravos de todos,
como Jesus fez. Pois Jesus nos serviu e deu a sua vida para nos resgatar, para
nos comprar no mercado de escravos deste mundo perdido, para si, a fim de O
servirmos como escravos de nossos irmãos. Pois diz Jesus: "Então o Rei
dirá aos que estiverem à sua direita: 'Venham, benditos de meu Pai! Recebam
como herança o Reino que lhes foi preparado desde a criação do mundo. Pois eu
tive fome, e vocês me deram de comer; tive sede, e vocês me deram de beber; fui
estrangeiro, e vocês me acolheram; necessitei de roupas, e vocês me vestiram;
estive enfermo, e vocês cuidaram de mim; estive preso, e vocês me visitaram'.
"Então os justos lhe responderão: 'Senhor, quando te vimos com fome e te
demos de comer, ou com sede e te demos de beber? Quando te vimos como
estrangeiro e te acolhemos, ou necessitado de roupas e te vestimos? Quando te
vimos enfermo ou preso e fomos te visitar?'"O Rei responderá: 'Digo-lhes a
verdade: O que vocês fizeram a algum dos meus menores irmãos, a mim o fizeram'”
(Mt 25.34-40).
Jesus anseia por líderes-servos que estejam preocupados com
o bem-estar de Seus menores irmãos. Que anseiam por vê-los crescer à semelhança
de Jesus (Ef 4.13). Que os amem como uma mãe e, dessa forma, cuidem deles (como
diria Francisco de Assis). Que tratem o povo de Deus como amigos e não servos
(Jo 15.15).
Oh! Como é satisfatório ouvir da boca de alguém que você
lidera ou pastoreia a palavra “amigo”! Como é mais fácil e suave repreender
alguém que te escuta, não pelo seu cargo, mas pelo seu cuidado a ele! Como é
prazeroso participar desta forma do crescimento destas pessoas que Deus nos
confiou!
Mas como poderão estar bem, maduros em Jesus, desfrutando
de intimidade com seus líderes, se estes os oprimem ou os tratam como servos,
empregados ou meros recursos a serem gestados?
Que não sejamos assim. Que não apenas soframos por Jesus,
ou deixemos coisas valiosas por Jesus. Mas assumamos o último lugar. O lugar do
escravo, servindo todos, como Ele nos serviu.
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