Gênesis 1.26-31
26Também disse Deus: Façamos o homem à nossa
imagem, conforme a nossa semelhança; tenha ele domínio sobre os peixes do mar,
sobre as aves dos céus, sobre os animais domésticos, sobre toda a terra e sobre
todos os répteis que rastejam pela terra.
27Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à
imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou.
28E Deus os abençoou e lhes disse: Sede
fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e sujeitai-a; dominai sobre os peixes
do mar, sobre as aves dos céus e sobre todo animal que rasteja pela terra.
29E disse Deus ainda: Eis que vos tenho dado
todas as ervas que dão semente e se acham na superfície de toda a terra e todas
as árvores em que há fruto que dê semente; isso vos será para mantimento. 30E
a todos os animais da terra, e a todas as aves dos céus, e a todos os répteis
da terra, em que há fôlego de vida, toda erva verde lhes será para mantimento.
E assim se fez.
31Viu Deus tudo quanto fizera, e eis que era
muito bom. Houve tarde e manhã, o sexto dia.
A humanidade falhou. Vivemos em um ecossistema em
desiquilíbrio, com o qual vivemos em uma relação de inimizade (tal como o
Mickey e o Pato Donald com as abelhas, tornados e afins). Duas guerras mundiais
e uma contínua instabilidade internacional acabaram com a nossa esperança de
paz mundial. No dia-a-dia em nosso trabalho, o outro deixou de ser um colega e
passou a ser um competidor. Apesar de todo progresso, mulheres ainda têm
salários menores que os homens; o racismo ainda acontece sutilmente; eruditos
desprezam os menos “entendidos”; seja na política, nas empresas ou no campo,
poucos ficam ricos à custa da exploração de muitos; os governantes se tratam no
Sírio Libanês e os pobres morrem na fila do SUS; os ricos fazem faculdade no
exterior e os pobres têm progressão continuada mesmo sem saber ler o jornal. Madames
levam seus animais de estimação em spas, enquanto crianças pedem esmolas nos
semáforos.
Tudo isso deriva do individualismo em que vivemos. Como se
alguns (muitas vezes nós mesmos) tivessem valor maior que outros. Como se o
mundo e as pessoas fossem algo que só existe quando eu preciso: aí eu me conecto
com eles (ou fico “on”) até que eu enjoe ou não precise mais deles. Como se eu
não tivesse obrigação nem com Deus, nem com o próximo, nem com o meio ambiente.
De certa forma, tudo isso existia no mundo do AT. O mar era
visto como um deus que poderia matar aqueles que se aventuravam nele (veja o
livro de Jonas no AT, ou Poseidon na Odisseia de Homero). Doenças e morte eram
mais comuns. Reis e sacerdotes colocavam-se como deuses ou representantes
divinos explorando muitos. Povos viam outros povos como seres inferiores e
passíveis de serem escravizados (como o povo hebreu no Egito). Os mais fortes,
os mais sábios e os mais ricos viam-se como superiores (Jeremias 9.23).
Políticas internacionais eram resolvidas nos campos de batalha. A comida do
pobre (e seus próprios filhos) era visto como despojo de guerra ou como
oferenda aos deuses.
Neste contexto, Gênesis 1.26-31 é revolucionário. Ele diz
que Deus criou o homem (todos os homens, de qualquer sexo, raça, credo, idade,
nação ou lugar na sociedade) à Sua imagem e semelhança. Isso quer dizer que
homens e mulheres; crianças, adultos e idosos; brancos, negros, índios e
asiáticos; pobres e ricos; reis/ governantes e escravos; executivos e
faxineiros; cultos e analfabetos...todos são iguais aos olhos de Deus e, por
isso, igualmente dignos de honra.
Portanto, ninguém pode ser explorado ou oprimido; mulheres
devem ter os mesmos salários e espaço que os homens; a opinião dos iletrados e
incultos deve receber o mesmo tratamento que a dos eruditos e especialistas no
assunto; todos têm direito ao mesmo padrão de vida, ao mesmo acesso à saúde e
educação, conforto e prosperidade; todas as nações têm direito à mesma
tecnologia e aos mesmos subsídios, assim como todas as línguas têm direito ao
mesmo evangelho; todas as cidades e bairros têm de receber a mesma consideração
no planejamento anual etc.
Este texto também nos mostra que Deus criou um ser
relacional (homem e mulher). Isso deve ter sido um choque para as religiões da
época que só viam no homem um servo dos deuses e nada mais. Assim, fomos
criados para o relacionamento com Deus (e não para o ateísmo); para o casamento
heterossexual sadio (não para a solidão ou o homossexualismo); para a
paternidade/ maternidade muito mais que para nos tornarmos donos de um animal
ou para resolvermos um casamento ruim; para vermos no próximo um irmão (não um
competidor capitalista); criados para viver em comunidade, amando e conhecendo
o próximo intimamente (não no isolamento ou em relações precárias via
facebook). O próximo não é um objeto para o meu benefício, prazer, distração ou
enriquecimento; muito menos Deus. Fomos criados para a pessoalidade, com Deus e
com o próximo.
Além disso, Deus abençoa-nos para que dominemos sobre a
terra. Essa é a finalidade de sermos à imagem dEle e de nos multiplicarmos e
enchermos a terra, pois Ele quer reinar (e continuar a criar e por ordem no
caos) sobre ela através de nós. A relação do hebreu com a terra deveria ser
mutualista: ele se beneficiaria dela, mas também a protegeria (Gn 2.15). Assim,
somos ordenados a usá-la para nosso benefício (não capricho), mas também a
lutar pela restauração/ preservação do meio ambiente, a lutar contra o caos e a
morte nela.
Agora, a imagem de Deus e a capacidade para o
relacionamento com Ele e com o próximo, bem como a ordem na criação, foram
arruinadas pelo pecado, mas Cristo é aquele que nos faz novamente ser à imagem
de Deus (2Co 5.17) e capazes de sermos um com Ele e com o próximo (Jo
17.20-21), além de fazer novas todas as coisas criadas. Ele incumbiu a Igreja com
o dever de levar essa realidade a todas as pessoas e lugares, usando de
palavras, mas também de ações. A fim de que, através dela, o Criador reine
soberano, sobre todas as pessoas, lugares e situações. Pois viu Deus tudo quanto fizera, e eis que era
muito bom.
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