Neste
último artigo sobre o chamado de Jesus aos discípulos percebemos, de forma mais
plena, do que realmente estamos falando. Não há texto melhor em Marcos para
encerrar esta série do que Mc 3.13-19, o qual diz:
13Depois, subiu ao monte e chamou os que ele mesmo quis, e
vieram para junto dele. 14Então, designou doze [nomeando-os
apóstolos] para estarem com ele e para os enviar a pregar 15e a
exercer a autoridade de expelir demônios. 16Eis os doze que
designou: Simão, a quem acrescentou o nome de Pedro; 17Tiago, filho
de Zebedeu, e João, seu irmão, aos quais deu o nome de Boanerges, que quer
dizer: filhos do trovão; 18André, Filipe, Bartolomeu, Mateus, Tomé,
Tiago, filho de Alfeu, Tadeu, Simão, o Zelote, 19e Judas Iscariotes,
que foi quem o traiu.
O
texto anterior relata que a esta altura, Jesus recebe renome e procura
incomparáveis. Hoje em dia, diríamos que Ele tornou-se requisitado ou uma
celebridade, não porque buscasse isso, mas por ser extremamente relevante
àquelas pessoas. Mc 3.7-10 diz que Jesus
retirou-se com seus discípulos para o mar, e uma grande multidão vinda da
Galileia o seguia (7). E não apenas pessoas desta região, mas de muitas
outras, de modo que Jesus não possuía fama apenas em sua área de atuação, mas
em toda a região circunvizinha, pois Quando
ouviram a respeito de tudo o que ele estava fazendo, muitas pessoas procedentes
da Judeia, de Jerusalém, da Idumeia, das regiões do outro lado do Jordão e dos
arredores de Tiro e de Sidom foram atrás dele (8). A multidão era tão
grande e tão fervorosa que providências tiveram de ser tomadas a fim de que
Jesus pudesse continuar a agir em favor delas e ensiná-las com alguma
“tranquilidade”: Por causa da multidão,
ele disse aos discípulos que lhe preparassem um pequeno barco, para evitar que
o comprimissem. Pois ele havia curado a muitos, de modo que os que sofriam de
doenças ficavam se empurrando para conseguir tocar nele (9 e 10).
Então
é chegado o momento de separar alguns a fim de melhor ensiná-los (ou
discipulado, se preferir) e de prepará-los para auxiliá-lo em sua obra e “tomar”
o bastão após Sua volta ao Pai. O ato de subir ao monte e chamar as pessoas a
si revela esta separação (e podemos imaginá-las saindo da multidão e
juntando-se a ele, mais ou menos como acontecia quando dois de nós escolhiam
seus times e os escolhidos iam dividindo-se em dois grupos distintos...).
Separados do mundo, da sociedade, da multidão, da massa, do rebanho (para usar
uma palavra de Kierkegaard), para uma vida completamente diferente do rebanho
da sociedade, como veremos mais à frente. Esta separação atinge seu clímax
neste texto quando os três principais discípulos recebem novos nomes,
designando que não pertencem mais ao mundo, a suas famílias e patrões, mas a
Jesus (pois nomear alguém era um ato de posse).
Os
separados são aqueles que ele mesmo quis.
Não há mérito profissional ou pessoal (como vimos no segundo e quarto artigos
da série). Não é para quem quer, nem para quem pode. É para aqueles que Ele
escolhe, e não podemos nos juntar a Ele sem que Ele tenha escolhido e nos
chamado em primeiro lugar. Toda reação nossa é derivada da operação do Seu
Espírito em nós, que fomos escolhidos, chamados e separados.
São
designados 12. Alguns manuscritos no grego acrescentam que estes doze foram
nomeados apóstolos (por não serem todos os manuscritos que trazem este trecho, ele
está entre colchetes no v.14). O que é o apóstolo? Basicamente é um embaixador,
enviado como se fosse a própria pessoa que o enviou (como nos diz John Stott,
em seu livro “O perfil do pregador”). Isto designa sua autoridade doutrinária,
o que eles pregam é – e deve ser – aquilo que o próprio Cristo prega: o
evangelho do Reino. Este título é relegado somente àqueles que foram
pessoalmente chamados por Jesus e que testemunharam pessoalmente de sua pessoa
(como na primeira carta de João, capítulo 1º, versículos 1-3). Isso ocorreu com
Matias, em Atos 1. 21 a 22, porque correspondia às exigências necessárias: É necessário, pois, que, dos homens que nos
acompanharam todo o tempo que o Senhor Jesus andou entre nós, começando no
batismo de João, até ao dia em que dentre nós foi levado às alturas, um destes
se torne testemunha conosco da sua ressurreição. O apóstolo Paulo, chamado
“fora do tempo”, foi chamado pessoalmente por Jesus no caminho de Damasco (At
9) e conheceu Jesus em pessoalmente em Sua glória, quando foi elevado ao
“terceiro céu” (2ª carta de Paulo aos Coríntios, cap. 12). Deste modo, os
apóstolos de Jesus morreram no primeiro século d.C.; os atuais “apóstolos” brasileiros
são falsos-apóstolos, indignos de nossa atenção.
No entanto, todos temos algo em comum com
esses apóstolos, ainda que num grau menor, já que ser apóstolo é viver o que se
segue no texto (estar com Jesus, pregar seu evangelho e ter autoridade
espiritual), coisas que não podemos vivenciar de modo tão pleno quantos os
apóstolos, mas que é parcialmente nos dado pelo Senhor.
Somos,
em primeiro lugar, designados para
estarem com ele, Jesus. Como vimos acima, essa foi a exigência em At
1.21,22. Assim, só pode representar/ proclamar Jesus quem o conhece, quem
esteve com ele. Em nosso caso, só o pode sê-lo quem foi salvo por Ele na cruz,
teve seus pecados perdoados, foi livre da condenação do inferno, foi ressurreto
e reconciliado por Jesus e agora vive nele e tem o Espírito Santo vivendo
dentro de si. Estar com Jesus é a essência do discipulado. Embora alguns tentem
resumir isso ao relacionamento íntimo com Jesus, prefiro concordar com a visão
de Bonhoeffer, na segunda parte de seu “Discipulado”, e dizer que estar em Jesus,
para nós, é fazer parte de seu corpo (a Igreja), sua vida, sua morte e
ressurreição. Aquele que crê em Jesus torna-se um com Ele em sua morte na cruz
(libertando-se do pecado) e um na sua ressurreição (tornando-se participante de
Seu Reino, tendo vida eterna). Essa união mística está além de minha capacidade
de compreensão e por isso recomendo a você, leitor, que a aceite pela fé. De
fato, este tipo de união tem a ver com o que vimos sobre o chamado de Jesus nos
artigos anteriores desta série, quando vimos que seguir Jesus é acompanhá-lo
por onde quer que ele vá e fazer o quer que ele faça. Isso só nos é possível
porque estamos nele e Ele passa a viver sua vida em nós. Ou seja, não depende
de nós, mas dele em nós através do Espírito Santo (que habita em todo discípulo
de Jesus a fim de produzir a vida de Jesus na vida do discípulo).
Isso
nos levará a pregar e a exercer a
autoridade de expelir demônios. As duas coisas estão interligadas pela
expressão traduzida como para os enviar a.
Pois a pregação aqui é uma proclamação da vitória de Jesus sobre o pecado e o
reino de Satanás e a consequente invasão e implantação de Seu Reino de justiça,
santidade, amor, paz e alegria. Quando a gestão antiga só trouxe desgraça, a
nova gestão deve acabar com tudo e recomeçar “do zero”. Como isso já foi
apresentado de alguma forma no primeiro e terceiro artigos desta série,
atenho-me aqui a dizer que proclamação e manifestação do Reino de Jesus não
podem estar separados. Proclamar algo que nem sequer iniciou-se se assemelha à
propaganda enganosa (como acontece muitas vezes no mercado de imóveis com seus
prédios, quando muitas vezes ou não começam ou não terminam de ser
construídos); manifestar o Reino sem proclamá-lo leva à confusão e à
inutilidade (é como registrar a patente de uma invenção sem dar o nome do
inventor).
O
problema da Igreja é justamente separar as duas coisas. Proclamamos a salvação
e o Reino de Deus, mas continuamos em nossos pecados ou não transformamos
positivamente o local onde estamos, vivemos, estudamos e trabalhamos. Isso leva
as pessoas “de fora” a julgarem a fé cristã irrelevante, inútil mesmo. Por que
eu faria parte de algo que não me liberta do pecado, dos meus vícios? Que não
faz de mim, da minha família e de meu mundo melhores? Por outro lado, muitas
vezes vivemos e agimos no mundo de acordo com o Reino e não proclamamos. Assim,
as pessoas julgam que tudo se deve a nós, a uma preocupação com o meio ambiente
(afinal, está isso na moda), a uma boa formação familiar, universitária ou
religiosa, enfim, a algo que depende de nós, que está em nosso poder escolher
se nos interessa ou não e imitar o que convém.
Mas
proclamação e autoridade interligam-se porque representamos alguém que é o
único (total e exclusivamente) responsável por este Reino e salvação. Tais
coisas não partem de nós. Ou somos enviados a fazê-las ou não o representamos.
Com qual autoridade o faríamos? A nossa? Não é necessário que o novo Rei seja
rei de fato? Não é necessário ter-se autoridade sobre os homens para chamá-los
à obediência ao desígnio de Jesus. Só Jesus pode fazê-lo, pois após morrer na
cruz e ressuscitar dos mortos, foi exaltado por Deus à mais alta posição,
recebendo autoridade sobre todas as coisas, para
que ao nome de Jesus se dobre todo o joelho, nos céus, na terra e debaixo da
terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para a glória de
Deus Pai (Fp 2.9-11), pois só Jesus foi morto,
e com seu sangue comprou para Deus gente de toda tribo, povo, língua
e nação. Constituindo-os reino e
sacerdotes para o nosso Deus, e eles reinarão sobre a terra (Apocalipse
5.9,10). Esse Reino já começou e será plenamente estabelecido por Jesus quando
este voltar; a nós, chamados a sermos seus discípulos, cabe proclamar e
manifestar essa realidade. Para isso recebemos de sua autoridade para vencermos
e subjugarmos o reino de Satanás, com sua injustiça, violência, perversidade,
corrupção e indiferença ao próximo. Se as coisas parecem estar pendendo para o
lado inimigo, isso é mera oportunidade para Cristo demonstrar de forma mais maravilhosa
e poderosa sua autoridade, Reino e salvação quando voltar para reinar de uma
vez por todas.
Este
chamado não encontra limites. Todos são chamados: pescadores como Simão Pedro,
André, Tiago e João; cobradores de impostos corruptos e considerados traidores
do povo como Levi (chamado de Mateus aqui); zelotes (guerrilheiros
ultranacionalistas) como Simão; traidores como Judas...
Mas
uma vez chamados, já não são os mesmos: o inconstante e impulsivo Simão recebe
o nome de Pedro (que quer dizer pedra/ rocha), os filhos de Zebedeu recebem o
nome de “Filhos do Trovão”. Uma mudança deve acontecer, os discípulos de Jesus,
recebem dele o poder de o imitarem (é a vida de Jesus em nós, explicada acima).
Mas
o que devemos fazer? Quando chamados, os discípulos vieram para junto dele. Eles responderam positivamente. E o
fizeram de uma vez por todas. O verbo no tempo aoristo significa, no grego, que
o ato de vir foi concluído de uma vez. Com exceção de Judas (o qual estava
destinado a trair Jesus, conforme Jo 17.12), todos permanecerão discípulos de
Jesus até a morte e morrerão justamente por crerem, proclamarem e manifestarem
que são discípulos de Jesus, que Ele é Senhor e Deus.
Assim
deve ser a nossa resposta, devemos dizer sim ao chamado de Jesus de uma vez por
todas. Negar isso é negar sua salvação e nos condenar ao inferno eterno, com
“fogo, choro e ranger de dentes” (sofrimento indizível e eterno), pois é não
participar do Reino de Jesus (resumindo, é viver plenamente no Reino de
Satanás); dizer sim é receber de Jesus o que já foi dito até aqui ao longo
desta série (salvação, perdão, Reino e discipulado), como também recebê-lo como
diz Pedro, nos v.8,9 do primeiro capítulo de sua primeira carta, quando afirma
que mesmo não o [Jesus] tendo visto, vocês o amam; e apesar de não o
verem agora, creem nele e exultam com alegria indizível e gloriosa, pois vocês
estão alcançando o alvo da sua fé, a salvação das suas almas. Negue e terá
sofrimento indizível e eterno, venha e receba alegria indizível e eterna. Não é
horrível a consequência da negação? Não é maravilhosa a consequência de vir
como discípulo de Jesus?
Jesus
nos chama a seguí-lo, a estarmos com Ele e nEle (recebendo sua salvação e vida
em nós), a proclamá-lo e manifestar o Seu Reino, através de uma autoridade que
vem de Jesus em nós. Você vem?
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