quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Chamados par o discipulado 4 - Jesus chama pecadores


No artigo anterior desta série, vimos que a oração é o meio de Jesus, e o nosso, para mantermos o caminho certo no discipulado. Pois essa nos coloca na presença de Deus, que nos orienta para o que Ele deseja que façamos. No entanto, não basta apenas saber o quê Jesus veio fazer, mas também a quem. Neste texto vemos Jesus chamando discípulos ainda mais desqualificados, pelo menos aos olhos da sociedade, que Pedro, André, Tiago e João (Mc 1.16-20). Pois Jesus está chamando “pecadores” para serem seus discípulos.
Mc 2.13-17:
13De novo, saiu Jesus para junto do mar, e toda a multidão vinha ao seu encontro, e ele os ensinava. 14Quando ia passando, viu a Levi, filho de Alfeu, sentado na coletoria e disse-lhe: Segue-me! Ele se levantou e o seguiu.
15Achando-se Jesus à mesa na casa de Levi, estavam juntamente com ele e com seus discípulos muitos publicanos e pecadores; porque estes eram em grande número e também o seguiam. 16Os escribas dos fariseus, vendo-o comer em companhia dos pecadores e publicanos, perguntavam aos discípulos dele: Por que come e bebe ele com os publicanos e pecadores? 17Tendo Jesus ouvido isto, respondeu-lhes: Os sãos não precisam de médico, e sim os doentes; não vim chamar justos, e sim pecadores.
A cena inicia-se de modo comum ao evangelho: Jesus sai, a multidão aproxima-se e Ele começa a ensiná-los. Em algum momento do seu “passeio”, Jesus vê Levi (chamado de Mateus no evangelho de Mateus 9.9) sentado na coletoria de impostos, Jesus o chama e ele O segue.
À primeira vista, nada de novo. Para nós. Um judeu da época poderia escandalizar-se ao ver isso. Isso porque os coletores de impostos eram vistos como traidores da nação judaica, porque eles colhiam impostos para o Império Romano e, além disso, muitos cobravam além do que deviam para encher os próprios bolsos. Por isso, em Lc 3, quando os cobradores de impostos (também conhecidos como publicanos) querem saber o que devem fazer para não serem condenados por Deus, João Batista lhes responde: “Não cobrem nada além do que lhes foi estipulado” (Lc 3. 13). Pela mesma razão, o recém-convertido Zaqueu, um cobrador de impostos, para revelar seu arrependimento afirma: “e se de alguém extorqui alguma coisa, devolverei quatro vezes mais” (Lc 19.8). Além disso, Jesus o chamou a segui-lo. Esse foi o mesmo chamado que fez aos quatro pescadores para segui-lo como seus discípulos.
Assim, a situação começa a tomar outro rumo. Mas ela torna-se ainda mais incômoda, pelo menos para os escribas dos fariseus (v.16) [os escribas eram pessoas dedicadas a copiar a Lei de Moisés e ensiná-la ao povo; os fariseus eram uma facção político-religiosa que se dedicava a um cumprimento rigoroso dessa Lei e que desprezava os praticantes menos rigorosos como inferiores e impuros diante de Deus]. Pois vemos que Jesus não apenas chama Levi para segui-lo como vai a casa dele para uma refeição. O texto grego diz que Jesus estava reclinado à mesa, o que significa uma grande refeição, com muitos convidados, como numa festa. As portas estariam abertas o que permitiam, muitas vezes, que convidados indesejados aparecessem (como a mulher “pecadora” na casa do fariseu em Lc 7.36-50). Neste caso os escribas fariseus entraram, os quais provavelmente estavam apenas como espectadores, visto o seu escândalo expresso na pergunta feita aos discípulos de Jesus, no v.16 do texto que estamos lendo.
Esse escândalo ocorre porque o ato de comer uma refeição junto com alguém tinha, naquela cultura, o significado de uma grande intimidade entre duas ou mais pessoas. Se fosse hoje, os escribas olhariam para Jesus e diriam: “Diga-me com quem andas e eu te direi quem és...”. Ainda mais se prestarmos atenção ao v.15, que diz: estavam juntamente com ele [Jesus] e com seus discípulos muitos publicanos e pecadores; porque estes eram em grande número e também o seguiam [seguiam Jesus].
Resumindo: Jesus tinha uma grande intimidade com esse povo sujo, indecente, pecador. Cobradores de impostos corruptos, ladrões, prostitutas etc. Eles o seguiam, comiam com Ele e, muitas vezes, haviam sido chamados por Ele.
Aqui há um contraste entre a multidão que se aproximou de Jesus e foi ensinada por Ele (que pode ser posta junto aos escribas e fariseus) e os pecadores que seguem Jesus. Bonhoeffer diz que o chamado de Jesus nos separa do mundo. De modo interessante, aqui são os pecadores que são separados, por um lado, da grande multidão que deseja o ensino de Jesus e, por outro, dos escribas dos fariseus que se consideram superiores aos que não são tão rigorosos quanto eles na prática da Lei de Moisés. Ou seja, não se trata de virtuosos separando-se de um mundo em decadência, mas de pecadores sendo separados de um mundo aparentemente religioso, devoto e, por que não dizer, aparentemente santo.
De fato, as palavras finais de Jesus, no v.17, Os sãos não precisam de médico, e sim os doentes; não vim chamar justos, e sim pecadores, carregam essa separação. Pois a tradução “Os sãos” ocorre aqui como contraste a “os doentes”. A palavra traduzida como “sãos” poderia ser traduzida como “os capazes”, porque é com esse sentido que essa palavra é traduzida em outros textos do evangelho de Marcos: Voltando, achou-os dormindo; e disse a Pedro: Simão, tu dormes? Não pudeste vigiar nem uma hora? (Mc 14.37); e este, onde quer que o apanha, lança-o por terra, e ele espuma, rilha os dentes e vai definhando. Roguei a teus discípulos que o expelissem, e eles não puderam. (Mc 9.18); porque, tendo sido muitas vezes preso com grilhões e cadeias, as cadeias foram quebradas por ele, e os grilhões, despedaçados. E ninguém podia subjugá-lo. (Mc 5.4).
O que Jesus está dizendo é que não veio chamar os capazes de salvar-se ou de seguirem um caminho de fé, espiritualidade, ou rigor religioso. Jesus não veio chamar uma grande multidão que ouve seus ensinos e depois volta para o seu dia-a-dia. Jesus veio chamar pecadores; pessoas doentes de uma doença mortal (como disse Kierkegaard) para a qual não há cura, espiritualidade, ritual de purificação, religião ou terapia baseada na capacidade do homem. Para fazer parte da turma de Jesus, você tem que reconhecer-se como doente, incapaz, pecador. O que significa que aos olhos de Deus você se encaixa na descrição do apóstolo Paulo, em sua carta aos Efésios, cap. 2, v.1-3: Vocês estavam mortos em suas transgressões e pecados nos quais costumavam viver, quando seguiam a presente ordem deste mundo e o príncipe do poder do ar [Satanás] e o espírito que agora está atuando nos que vivem na desobediência [a Deus]. Anteriormente, todos nós também vivíamos entre eles, satisfazendo as vontades da nossa carne, seguindo os seus desejos e pensamentos. Como os outros, éramos por natureza merecedores da ira [o castigo de Deus].
É a este tipo de pessoa que o chamado de Jesus, o Filho de Deus, é feito. Um chamado para a intimidade com Jesus, para o discipulado (o seguir Jesus e tornar-se como Ele, possuindo o seu caráter e vida).
Em outras palavras, seguir Jesus, não é para os capazes, os religiosos, os espirituais, ou aqueles em processo de evolução (seja moral ou espiritual). Seguir Jesus é para pecadores. Em qual grupo você se encontra? Aquele que não se reconhece como pecador incapaz de salvar-se, como merecedor do castigo de Deus, não pode seguir Jesus. Pois Jesus veio para os doentes. Sua cura para a doença do pecado encontra-se na cruz, na qual morreu no lugar de seus seguidores, pagando por seus pecados, a fim de que eles tenham vida eterna com Ele, que ressuscitou dentre os mortos. Deste modo os discípulos de Jesus são separados do mundo da religião, espiritualidade e terapia humanas para um caminho de salvação e perdão de Deus; de discipulado e intimidade com Deus.
Como disse Brennan Manning, “todos somos mendigos, os cristãos são simplesmente mendigos que sabem onde encontrar pão”. São mendigos que comeram do pão e chamam outros mendigos (pecadores) para comerem com eles. Pois aos discípulos de Jesus é dada a tarefa de pregar o evangelho (o chamado ao discipulado e intimidade com Jesus) a todas as pessoas em todo o mundo (Mc 16.15) [em todas as casas, ruas, vizinhanças, escolas, locais de trabalho, em todas as nações e povos, línguas, dialetos e sotaques], pois todos somos pecadores, merecedores da ira e necessitados da cura, salvação e perdão que só podem ser encontradas em Jesus, o Filho de Deus, que morreu por nós na cruz e ressuscitou para nos dar vida eterna. Porém isso nos leva a um caminho de aproximação. Pois se seguimos Jesus, nos afastamos do que Ele se afasta e nos aproximamos de quem Ele se aproxima: os pecadores. Com quem comemos? Com quem temos intimidade? Com os capazes e bem-sucedidos moral e espiritualmente ou com os pecadores (“corruptos, ladrões e prostitutas”) de nosso mundo cotidiano? Devemos ter o cuidado de não sermos envergonhados diante das palavras de Lutero, que disse: “Aquele que só quer viver entre crentes, é inimigo do evangelho”.
Assim, o chamado de Jesus é separação. Não a separação realizada pelos melhores e santos, dos capazes e merecedores da salvação. Mas a realizada por Deus, através de Jesus na cruz e na ressurreição, em favor de pecadores impuros e doentes que seguem Jesus, como seus discípulos, que se tornam cada vez mais pessoas como Ele. Também é um chamado de aproximação dos pecadores e doentes ao nosso redor (e longe também) para dizer a eles: “eu sei onde há pão!”.

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