quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

O caminho do discipulado 4 - Auxílio na incredulidade


Mc 9.14-29
14Quando chegaram onde estavam os outros discípulos, viram uma grande multidão ao redor deles e os mestres da lei discutindo com eles. 15Logo que todo o povo viu Jesus, ficou muito surpreso e correu para saudá-lo.
16Perguntou Jesus: "O que vocês estão discutindo?"
17Um homem, no meio da multidão, respondeu: "Mestre, eu te trouxe o meu filho, que está com um espírito que o impede de falar. 18Onde quer que o apanhe, joga-o no chão. Ele espuma pela boca, range os dentes e fica rígido. Pedi aos teus discípulos que expulsassem o espírito, mas eles não conseguiram".
19Respondeu Jesus: "Ó geração incrédula, até quando estarei com vocês? Até quando terei que suportá-los? Tragam-me o menino".
 20Então, eles o trouxeram. Quando o espírito viu Jesus, imediatamente causou uma convulsão no menino. Este caiu no chão e começou a rolar, espumando pela boca. 21Jesus perguntou ao pai do menino: "Há quanto tempo ele está assim?" "Desde a infância", respondeu ele. 22"Muitas vezes esse espírito o tem lançado no fogo e na água para matá-lo. Mas, se podes fazer alguma coisa, tem compaixão de nós e ajuda-nos."
23"Se podes?", disse Jesus. "Tudo é possível àquele que crê."
24Imediatamente o pai do menino exclamou: "Creio, ajuda-me a vencer a minha incredulidade!"
25Quando Jesus viu que uma multidão estava se ajuntando, repreendeu o espírito imundo, dizendo: "Espírito mudo e surdo, eu ordeno que o deixe e nunca mais entre nele". 26O espírito gritou, agitou-o violentamente e saiu. O menino ficou como morto, ao ponto de muitos dizerem: "Ele morreu". 27Mas Jesus tomou-o pela mão e o levantou, e ele ficou em pé.
28Depois de Jesus ter entrado em casa, seus discípulos lhe perguntaram em particular: "Por que não conseguimos expulsá-lo?" 29Ele respondeu: "Essa espécie só sai pela oração e pelo jejum”.

“Muita oração, muito poder; pouca oração, pouco poder; nenhuma oração, nenhum poder”. Embora não saiba quem disse isso pela primeira vez, ouvi isso várias vezes em meus primeiros anos de Igreja. Esta relação entre a devoção (ou piedade se preferir) e o sucesso na obra de Deus talvez explique muita de nossa pouca eficácia na continuidade da obra de Jesus. Certamente o faz neste texto.
Acompanhando Jesus na descida do monte, após revelar-se em sua glória e majestade [ver o artigo anterior da série], chegamos aos pés do monte e encontramos uma multidão e dois grupos discutindo: os discípulos de Jesus e os mestres da lei. Não sabemos o que discutiam, mas com toda certeza relacionava-se ao seu fracasso em expulsar aquele espírito que dominava o menino (v.16-18). Talvez uma discussão sobre a veracidade dos milagres de Jesus, talvez sobre o próprio movimento de Jesus como algo “agradável a Deus”. Nunca saberemos.
É muito interessante ver a reação de Jesus, no versículo 19, que condena não somente um grupo, mas todos os três por sua incredulidade. Afinal de contas, não somente os discípulos, mas nem os mestres da lei, a multidão ou o pai do menino puderam realizar qualquer coisa. Por isso, quando o viram, imediatamente correram em sua direção, como pessoas aflitas e sem respostas ao seu dilema.
De forma inversa, quando o viu, imediatamente o espírito começou a convulsionar. Ficamos sabendo que ele assim age desde a infância, na tentativa de matar o menino (v.22). A situação é desesperadora, e o pai suplica a Jesus: Mas, se podes fazer alguma coisa, tem compaixão de nós e ajuda-nos.
A reação de Jesus demonstra a incredulidade do pai: "Se podes?", disse Jesus. "Tudo é possível àquele que crê". Imediatamente o pai do menino exclamou: "Creio, ajuda-me a vencer a minha incredulidade!"
 Este parece ser o problema aqui: incredulidade. Do pai, da multidão, dos mestres da Lei e dos discípulos, para quem isso não foi possível. A palavra que Jesus usa tem o sentido de capacidade e poder físico, ou seja, capaz de mostrar-se mais forte que o espírito. É usada em Mc 5.3 e 4, quando diz: Esse homem vivia nos sepulcros, e ninguém conseguia prendê-lo, nem mesmo com correntes; pois muitas vezes lhe haviam sido acorrentados pés e mãos, mas ele arrebentara as correntes e quebrara os ferros de seus pés. Ninguém era suficientemente forte para dominá-lo.
Assim, vemos novamente, o quanto os discípulos estão longe de parecer-se com seu Mestre. Ainda mais quando deixam de usar um de seus recursos mais simples e poderosos, a oração (v. 29) [o jejum não aparece em alguns manuscritos e por isso será considerado aqui como algo que possui sentido correlato à oração, assim quando falar-se da oração, considere ambos com um mesmo sentido prático].
A oração aparece em Marcos de forma mais específica em momentos de crise ministerial, por exemplo: no momento inicial de seus milagres e a consequente tentação de mudar de foco, em Mc 1.29-39 [ver Chamados para o discipulado 3] e no Getsêmani, quando está prestes a ser preso e crucificado (Mc 14.32-42). Após ambos os momentos, a postura de Jesus muda e parece mais convicta em relação ao seu chamado.
Parecem, então, não estar usando este poderoso recurso a fim de vencer sua própria incredulidade e por isso não conseguem cumprir (e continuar) as obras de seu Mestre/ Senhor.
De modo semelhante, podemos pensar em nossa própria ineficácia em cumprir o que nos foi dado a fazer pelo nosso Senhor Jesus Cristo. Relembrando que, em Marcos, a pregação e a autoridade para expulsar demônios andam juntas (como em Mc 3.14-15; 5.1-20; 6.12-13; 16.15-18), podemos vencer a atual teologia da “Batalha Espiritual” e aplicar o texto a algo mais próximo do que deveria ser o nosso cotidiano. [para uma explicação de como tais elementos estão relacionados entre si no evangelho de Marcos, ver Chamados para o discipulado 1, 3 e 5].
Por que nosso resultado evangelístico é tão pobre? Por que mesmo em igrejas em que há “sempre muitas pessoas chegando”, há, muitas vezes, muitas pessoas saindo? Por que temos vidas tão diferentes de Jesus? Por que somos tão irrelevantes? Há com certeza muitos fatores a serem considerados a respeito de nossas instituições e estratégias, das resistências dos indivíduos e grupos que abordamos e da cultura em que vivemos. Mas será que este texto de Marcos não tem algo a nos dizer? Acaso poderíamos colocar todo nosso fracasso em elementos externos? Ou a frase que aprendi, “Muita oração, muito poder; pouca oração, pouco poder; nenhuma oração, nenhum poder”, está errada? Não deveríamos questionar se nossa pouca relevância no mundo e pouco resultado evangelístico está no fato de que temos baixas expectativas? E consequentemente oramos e nos esforçamos muito pouco ao que deveríamos dedicar toda a nossa vida, trabalho e estudo?
John Stott, em A mensagem do Sermão do monte, nos diz: “Há algo inerentemente impróprio em se ter pequenas ambições para Deus. Como poderíamos nos contentar em que ele adquira só mais um pouquinho de honra no mundo? Não. Quando percebemos que Deus é Rei, então desejamos vê-lo coroado de glória e honra, no lugar a que tem direito, que é o lugar supremo. Então tornamo-nos ambiciosos pela propagação do seu reino e da sua justiça por toda parte...Na verdade, só então é que as ambições secundárias tornam-se sadias. Os cristãos deveriam ser zelosos em desenvolver seus talentos, alargar as oportunidades, estender a sua influência e receber promoções em seu trabalho, não mais para fomentar o seu próprio ego ou edificar o seu próprio império, mas sim para, através de tudo o que façam, glorificar a Deus.”
No entanto, tudo isso exige fé. Essa é a raiz do nosso problema. E Jesus nos convida a orar a fim de que vençamos a nossa incredulidade, de modo semelhante ao pai do menino que “orou”: "Creio, ajuda-me a vencer a minha incredulidade!" Assim estaremos aptos a realizar o que Ele realizava e quer continuar realizando através de nós.
De modo reconfortante para nós, Jesus respondeu a súplica feita por aquele homem, repreendeu o espírito imundo, o qual saiu do menino, tomou o menino pela mão e o levantou, e ele ficou de pé (v.25-27). De fato, o que nenhum homem pôde fazer por falta de fé, Jesus o pôde. Verdadeiramente, nada é impossível a este homem-Deus que está numa missão de restaurar todas as coisas. Demônios são expulsos (Mc 1.21-26; 5.1-20), a sogra de Pedro tem sua saúde restabelecida (1.30-31), leprosos são purificados (1.40-42), pecadores são perdoados e paralíticos voltam a andar (2.1-12), cobradores de impostos corruptos ganham nova direção na vida (2.13-17), tempestades são acalmadas (4.35-41), doenças intratáveis e até a própria morte são revertidas (5.21-43). Nem mesmo a morte pode conter este Filho do homem que está para ser entregue nas mãos dos homens, que o matarão, pois três dias depois ele ressuscitará (Mc 9.31).
E Jesus cria uma comunidade de discípulos que deverão fazer o mesmo que Ele fazia: Chamando os Doze para junto de si, enviou-os de dois em dois e deu-lhes autoridade sobre os espíritos imundos... Eles saíram e pregaram ao povo que se arrependesse. Expulsavam muitos demônios e ungiam muitos doentes com óleo, e os curavam (6.6-7,12-13); E disse-lhes: "Vão pelo mundo todo e preguem o evangelho a todas as pessoas. Quem crer e for batizado será salvo, mas quem não crer será condenado. Estes sinais acompanharão os que crerem: em meu nome expulsarão demônios; falarão novas línguas; pegarão em serpentes; e, se beberem algum veneno mortal, não lhes fará mal nenhum; imporão as mãos sobre os doentes, e estes ficarão curados" (16.15-18). As palavras finais deste evangelho demonstram o sucesso da missão dos discípulos de Jesus: Depois de lhes ter falado, o Senhor Jesus foi elevado aos céus e assentou-se à direita de Deus. Então, os discípulos saíram e pregaram por toda parte; e o Senhor cooperava com eles, confirmando-lhes a palavra com os sinais que a acompanhavam (16.19-20). Este sucesso não vem de seu próprio poder, mas pela ação maravilhosa do Senhor Jesus que está reinando sobre todas as coisas junto a Deus, o Pai e que, por isso pode realizar o que bem entende, quando, onde e como quiser sobre quem e o que desejar.
Assim, como discípulos de Jesus, podemos ter nEle uma viva esperança de um Reino de salvação, redenção e restauração de homens de toda tribo, língua, povo e nação (Ap 6.9) e de toda a criação de Deus, bem como todas as estruturas sociais (2 Pe 3.13). A sua obra não pode ser interrompida, não pode ser anulada e um dia não poderá ser mais abafada. O Seu Reino vem para ficar. Eternamente.
É com os olhos fixos nessa realidade que devemos agir em nossos dias, participando daquilo que Deus já anseia fazer. Pois é somente por estarmos nEle e cooperarmos com Ele, que podemos ter alguma expectativa de sucesso em nossa missão neste mundo. Fora dele, tudo é mero idealismo. E com o fracasso chegamos ao ponto dos discípulos, incredulidade. Sem Jesus, só falta nos unirmos ao coral que canta: “as coisas são assim mesmo e sempre serão”.
Mas com Jesus nossa existência ganha sentido e realização, não pessoal, mas divina.
Foi William Carey, missionário na Índia, quem nos ensinou a colocar grandes expectativas em Deus, a Lhe pedirmos grandes coisas, a fim de realizarmos grandes feitos para a Sua glória. Em duas citações no livro de John Piper, Alegrem-se os povos, encontramos a realidade acima referida. A primeira, nas pág. 16 e 17, é de William Carey: Quando deixei a Inglaterra, minha esperança de converter a Índia era muito forte; porém, diante de tantos obstáculos, ela minguaria, se não fosse pelo sustento recebido de Deus. Bem, Deus está comigo e sua Palavra é verdadeira. Embora as superstições dos pagãos fossem mil vezes mais fortes e o exemplo dos europeus, mil vezes pior, mesmo diante do abandono e perseguição, minha fé, posta na segurança da Palavra, ainda superaria todos os obstáculos e suportaria cada provação. A causa de Deus triunfará. A segunda é de John Eliot que, aos 84 anos deixou numerosas igrejas indígenas nos EUA, algumas com pastores nativos, em uma região pouco promissora: Orações e sofrimentos pela fé em Cristo Jesus farão qualquer coisa! (pág. 55).
Vemos, então, que árduas obras tiveram sucesso onde se parecia improvável, não pelo poder dos homens, mas de Deus. Pois Jesus honra a fé e a oração de seus discípulos que humildemente, prostram-se diante dEle para suplicar-Lhe  o que lhes falta.
Deste modo, certamente nos fortalecerá a fé a fim de termos poder para realizarmos o que parece impossível diante de tamanha descrença, corrupção, resistência, apostasia, pecado e inimizade (seja humana ou espiritual). O Deus que promete que a porta será aberta quando batermos, que receberemos o que pedimos, que encontraremos o que buscamos, promete dar Seu Espírito a todo que lhe pede (Lc 11.9-13). Acaso Ele nos negará Seu poder e o fortalecimento da fé àqueles que anseiam serví-Lo? De modo algum! Certamente, atenderá todo que Lhe roga com coração servil!
Assim, mais uma vez teremos a cooperação do Senhor de todas as coisas (Mc 16.19-20), o qual certamente confirmará a Sua Palavra através dos meios que bem Lhe aprouver.
Diante de tudo o que foi dito, podemos orar, crendo que, nos momentos de desânimo e incredulidade, Deus nos fortalecerá a fé, nos orientará e nos capacitará para realizarmos a parte que Ele mesmo coloca em nossas mãos. Que este seja o nosso recurso mais precioso e mais usado.

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