Vimos
na semana anterior que Jesus entrara no templo e o purificara. No dia seguinte,
ao voltar ao templo, Jesus teve sua autoridade questionada pelos “chefes dos
sacerdotes, os mestres da lei e os líderes religiosos” (Mc 11.27-33). Após
deixar seus inquiridores sem resposta, Ele conta a seguinte parábola:
Mc
12.1-12
1Então
Jesus começou a lhes falar por parábolas: "Certo homem plantou uma vinha,
colocou uma cerca ao redor dela, cavou um tanque para prensar as uvas e
construiu uma torre. Depois arrendou a vinha a alguns lavradores e foi fazer
uma viagem. 2Na época da colheita, enviou um
servo aos lavradores, para receber deles parte do fruto da vinha. 3Mas
eles o agarraram, o espancaram e o mandaram embora de mãos vazias. 4Então
enviou-lhes outro servo; e lhe bateram na cabeça e o humilharam. 5E
enviou ainda outro, o qual mataram. Enviou muitos outros; em alguns bateram, a
outros mataram.
6"Faltava-lhe
ainda um para enviar: seu filho amado. Por fim o enviou, dizendo: 'A meu filho
respeitarão'.
7"Mas
os lavradores disseram uns aos outros: 'Este é o herdeiro. Venham, vamos
matá-lo, e a herança será nossa'. 8Assim eles o agarraram, o mataram
e o lançaram para fora da vinha.
9"O
que fará então o dono da vinha? Virá e matará aqueles lavradores e dará a vinha
a outros. 10Vocês nunca leram esta passagem
das Escrituras?
"
'A pedra que os construtores rejeitaram tornou-se a pedra angular;
11isso
vem do Senhor, e é algo maravilhoso para nós'
12Então
começaram a procurar um meio de prendê-lo, pois perceberam que era contra eles
que ele havia contado aquela parábola. Mas tinham medo da multidão; por isso o
deixaram e foram embora.
Estes
dias atrás, ouvi sobre um pastor que começara uma nova igreja. Ele saiu da
igreja antiga porque estava perdendo “seu espaço” para outro pastor. Situações
como esta nos levam a perguntar: quando dizemos que somos servos de Deus, a
quem estamos realmente servindo? A Ele ou a nós mesmos?
Neste
texto encontramos uma parábola dirigida contra aqueles que deveriam servir a
Deus, mas que estão buscando seus próprios interesses. Ao final do texto, é
dito que os chefes dos sacerdotes, os mestres da lei e os líderes religiosos
perceberam que era contra eles que Jesus contara aquela parábola. Esses três
grupos compunham o Sinédrio, o órgão responsável pela religião em Jerusalém.
Assim, poderíamos dizer que foi contra o Sinédrio que Jesus contou esta
parábola. Porém, da mesma forma que a figueira em Mc 11 [ver o artigo
anterior], a ação de Deus matando os lavradores e dando a vinha a outros (Mc
12.9) tem seu cumprimento prefigurado em Mc 13, quando Jesus anuncia que todo o
povo de Jerusalém sofrerá o ataque romano. Por isso, podemos dizer que ainda
que os lavradores são os membros do Sinédrio, todo o povo judeu está sob o
risco de ser lançado fora da vinha. Desta forma, percebemos que esta parábola
não deve ser lida apenas contra os nossos líderes atuais, mas contra qualquer
um de nós que se declara cristão.
Nesta
parábola vemos um homem que prepara uma vinha, a qual era um símbolo do povo de
Israel, tal como em Isaías 5, que fala de Deus como alguém que cavou, plantou
as melhores videiras e construiu uma torre de vigia (imagens semelhantes às de
Mc 12.1). Lá é dito que a vinha do Senhor dos Exércitos é a nação de Israel,
e os homens de Judá são a plantação que ele amava. Ele esperava justiça, mas
houve derramamento de sangue; esperava retidão, mas ouviu gritos de aflição
(v.7). Essa imagem também é usada em Oséias 10, que diz que o povo se desviou e
que dirá "Não temos nenhum rei porque não reverenciamos o Senhor. Mas,
mesmo que tivéssemos um rei, o que ele poderia fazer por nós?" (v.3).
Assim, o juízo de Deus cairia sobre o povo. No entanto, Os 4.6,14 diz que os
líderes eram os principais culpados: Meu povo foi destruído por falta de
conhecimento. Uma vez que vocês rejeitaram o conhecimento, eu também os rejeito
como meus sacerdotes; uma vez que vocês ignoraram a lei do seu Deus, eu também
ignorarei seus filhos [...] um povo sem entendimento precipita-se
à ruína! Essa ênfase também está presente na parábola de Jesus, na qual a
vinha é arrendada a lavradores que devem cuidar dela na ausência do dono e dar
os frutos no tempo da colheita (situação comum naquela época).
Mas
o que vemos é que os lavradores espancam e matam os servos do dono da vinha,
além de mandarem o primeiro sem quaisquer frutos. Para alguns, as mãos
vazias seriam sinal de que a vinha não deu quaisquer frutos (assim como a
figueira de Mc 11); ou seja, o povo judeu não demonstrou com seu comportamento
que era o povo de Deus, agindo de modo reprovável, tal como nos textos de
Isaías e Oséias citados anteriormente. Além disso, vemos a perversidade sempre
crescente dos lavradores que batem, humilham e matam os servos (como o povo de
Israel fez com os profetas de Deus ao longo do AT) e chegam ao cúmulo de
matarem o filho amado, lançando-o fora da vinha (assim como Jesus, o filho
amado – Mc 1.1,11; 9.7 – foi morto fora de Jerusalém), pois desejam a vinha
para si. De fato, uma terra sem herdeiros era considerada naquela época como
“terra de ninguém”, o que faz com que aqueles que a possuem de fato, tenham
plenos direitos sobre ela.
Por
isso, podemos ver que nem a vinha/ o povo presta, pois não produz os frutos (a
obediência) que Deus deseja, nem os lavradores/ líderes, porque rejeitam o
Senhor da vinha, a medida em que rejeitam, maltratam e matam os profetas que
Ele enviava, como também o Seu próprio Filho.
Diante
disso, Jesus pergunta, O que fará então o dono da vinha? (v.9). Ele a
retomará para que a obediência seja restaurada. Assim, podemos dizer que Deus restaura
o Seu povo para a obediência.
Os
versículos 9-11 dizem que Ele faz isso de duas formas.
A
primeira é que Deus condena aqueles que rejeitam o senhorio de Jesus.
É o
que vemos no v. 9: Virá e matará aqueles lavradores. Isso acontece
porque rejeitaram Jesus (que é a pedra que os construtores rejeitaram).
Isso fica mais claro quando vemos que começaram a procurar um meio de prendê-lo
(v.12), como se estivessem começando a cumprir o v.8, eles o agarraram.
Assim,
vemos que Deus procederá da mesma forma que sempre agiu com Seu povo no AT,
quando condenou reis e rainhas que O rejeitaram, como Jezabel, que adorava
deuses pagãos e tentou diversas vezes matar o profeta Elias; ou mandou seu povo
para o exílio, por rejeitarem a mensagem dos Seus profetas e os perseguirem,
como fizeram com Jeremias que chamava o povo ao arrependimento. Da mesma forma
no Apocalipse em que todos os covardes (que escolheram não sofrer por
Jesus), os incrédulos, os depravados, os assassinos (lembrando que Jesus
inclui aí aqueles que odeiam o seu próximo), os que cometem imoralidade
sexual, os que praticam feitiçaria, os idólatras (sendo que idolatria é
colocar algo acima de Deus), e todos os mentirosos – o lugar deles será o
inferno (Ap 21.8).
Mas
Jesus não diz isso para colocar medo nas pessoas. É certo que o julgamento vem,
como em Mc 13, mas o final desta parte de Marcos (Mc 13.32-37) é um chamado ao
arrependimento, através da ordem para que vigiem (mantenham-se no caminho
certo), pois não saberão quando seu Senhor virá. Assim, Jesus quer que eles se
arrependam, após a morte e ressurreição dEle, a fim de não serem condenados.
Pois
muitos parecem dedicados a Deus, mas vivem desobedecendo-O: tendo relações
sexuais fora do casamento, sonegando impostos, mentindo, odiando o próximo e
usando a religião como fonte de lucro ou boa reputação. Mas estes não permaneceram
na Igreja de Deus.
E
tal situação muitas vezes começa a ocorrer antes mesmo de morrermos. Como no
caso de uma moça, que evangelizou muitas pessoas, pastoreou muitas outras, mas
que hoje mora com um rapaz com quem não é casada, sendo que ambos não querem
saber de Deus. Por isso, retomo a pergunta do começo: quando dizemos que somos
servos de Deus, a quem estamos realmente servindo? A Ele ou a nós mesmos?
Porque podemos fazer muito para a obra de Deus, mas se não vivemos de acordo
com seus mandamentos, não podemos chamá-Lo de Senhor, como Jesus diz em Mt
7.21-23: "Nem todo aquele que me diz: 'Senhor, Senhor', entrará no
Reino dos céus, mas apenas aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos
céus. Muitos me dirão naquele dia: 'Senhor, Senhor, não profetizamos em teu
nome? Em teu nome não expulsamos demônios e não realizamos muitos
milagres?'Então eu lhes direi claramente: Nunca os conheci. Afastem-se de mim
vocês, que praticam o mal!
Da
mesma forma nós não podemos esperar salvação caso não o obedeçamos em seus
mandamentos. Se vivermos assim, mesmo que pareçamos muito religiosos, ou
servindo muito à obra de Deus, seremos rejeitados por Ele.
Porque
Deus condena aqueles que rejeitam o senhorio de Jesus.
Mas
Deus não faz apenas isso. O que nos leva à segunda forma pela qual Deus
restaura o seu povo para a obediência.
Deus
cria um povo obediente a partir de Jesus.
Pois
diz os v. 9-11: dará a vinha a outros. Vocês nunca leram esta passagem das
Escrituras?" 'A pedra que os construtores rejeitaram tornou-se a pedra
angular; isso vem do Senhor, e é algo maravilhoso para nós'. Assim, Deus
cria um povo substituto. É isso que Ele quer dizer com dará a vinha a outros.
Foi isso que Ele fez quando chamou Abrão da casa de seu pai Terá (o qual era idólatra
segundo Js 24.2); quando substituiu os filhos corruptos do sacerdote Eli por
Samuel (1Sm 3.10-4.1); sempre que prometia um remanescente após o exílio (como
em Is 6, que diz que Deus cortaria o povo de Israel, como se corta uma árvore,
mas que restaria um toco, e, dele, nasceria uma nova árvore/ um novo povo). E é
isso que Deus fez com a Igreja, trazendo os gentios (não judeus) e dando a eles
a Sua vinha, como diz 1Pe 2.7-10: Portanto, para vocês, os que crêem, esta
pedra é preciosa; mas para os que não crêem, "a pedra que os construtores
rejeitaram tornou-se a pedra angular" e, "pedra de tropeço e rocha
que faz cair" Os que não crêem tropeçam, porque desobedecem à mensagem;
para o que também foram destinados. Vocês, porém, são geração eleita,
sacerdócio real, nação santa, povo exclusivo de Deus, para anunciar as
grandezas daquele que os chamou das trevas para a sua maravilhosa luz. Antes
vocês nem sequer eram povo, mas agora são povo de Deus; não haviam recebido
misericórdia, mas agora a receberam.
É
interessante que esse texto que Jesus citou faz parte do mesmo Salmo (118) que
o povo citou quando, ao verem Jesus entrando em Jerusalém sobre um jumentinho,
disseram "Hosana!" "Bendito é o que vem em nome do
Senhor!" "Bendito é o Reino vindouro de nosso pai Davi!" (Mc 11.9-10).
Quando a multidão disse isso, pensava que Jesus era o rei-salvador enviado por
Deus que traria o Reino de Deus [ver o primeiro artigo da série]. Mas o que
eles não entendiam é que seria necessário que Deus retirasse o que estava
corrompido (como fez na purificação do templo), a fim de estabelecer algo novo
e bom (a Sua Igreja).
Ele
faz isso através de Jesus, como Pedro disse na citação acima e como disse
diante do mesmo Sinédrio, em At 4.11 e 12, Este Jesus é "'a pedra que
vocês, construtores, rejeitaram, e que se tornou a pedra angular' Não há
salvação em nenhum outro, pois, debaixo do céu não há nenhum outro nome dado
aos homens pelo qual devamos ser salvos". Assim, se Jesus é condenação
para os que o rejeitam, é também salvação e misericórdia de Deus para os que se
arrependem e O buscam.
Por
isso, nos alegremos! Há a possibilidade de Deus nos restaurar para que o
obedeçamos, pois o dono da vinha, ou da Igreja se preferirmos, é o mesmo Deus
que mandou Jesus para morrer na cruz e ressuscitar, a fim de termos o perdão
dos pecados e nos tornarmos seu povo obediente. Isso fica claro quando se sabe
que a palavra dono do v.9 é a mesma SENHOR do v. 11 – isso vem do Senhor, e
é algo maravilhoso para nós'. Assim não temos um Deus mau, mas um Deus
misericordioso que não tolera o pecado e a desobediência, mas, através de Jesus,
salva pessoas, fazendo delas um povo obediente.
Para
sermos esse povo, nós precisamos nos arrepender de nossa rebeldia e nos ligar a
Ele através da obediência aos seus mandamentos, os quais nós encontramos em Sua
Palavra, que nos torna um “povo com entendimento” (ao invés do povo de Oséias 4
que perecia pela “falta de entendimento”). Se agirmos assim, seremos a Igreja
de Deus.
Pois
a maioria das pessoas nunca ouviram falar dos docetistas, que diziam que Jesus
não tinha corpo, mas todos sabem quem é o apóstolo João que disse em 1Jo 1.1: O
que era desde o princípio, o que ouvimos, o que vimos com os nossos olhos, o
que contemplamos e as nossas mãos apalparam - isto proclamamos a
respeito da Palavra da vida. Da mesma forma, aqueles que pregavam a venda
de indulgências como um passaporte para o céu e que enforcavam as pessoas que
oravam em nome de Jesus (e não de Maria) foram esquecidos, mas todos conhecem o
nome de Lutero, Calvino e John Knox, que pregavam a Jesus Cristo como Salvador
e Senhor da Igreja, sendo a sua teologia as bases da fé de inúmeras pessoas.
Aconteceu
assim porque Deus cria um povo obediente a partir de Jesus.
Concluindo,
temos visto muitas pessoas que parecem cristãs, mas não servem a Deus. Aos
desobedientes Deus condena, mas dos que se arrependem, Deus faz um povo
obediente por meio da salvação em Jesus. Desta forma, Deus restaura o Seu povo
para a obediência. Portanto, nos arrependamos e sejamos obedientes a Ele de
acordo com os Seus mandamentos contidos na Sua Palavra, para que, dessa forma,
sejamos o Seu povo.